Os 50 Melhores Álbuns de 2022

2022 foi um ano incrivelmente saturado de novos lançamentos, mas os maiores casos de sucesso prometem continuar a ser discutidos e louvados bem para além do dia 31 de dezembro. Houve trabalhos inescapáveis de muitos dos principais nomes da atualidade, regressos há muito aguardados de vários artistas de culto e estreias absolutas que roubaram parte desse protagonismo. Entre os 192 álbuns que o nosso crítico musical e editor-chefe, Rui Cunha, ouviu este ano, estes são os que considera ser os 50 melhores – alguns deles já objeto de foco na rubrica “Destaques do Mês”.

Wet Leg - Wet Leg

50. Wet Leg – Wet Leg

Género: Indie Rock; Post-Punk
Data de Lançamento: 08/04/2022
Editora: Domino

Não fossem as Wet Leg um produto do presente e tudo soava a uma manobra orquestrada para instigar toda uma geração com uma nostalgia recorrente pela época do indie sleaze. Se desvalorizarmos alguma falta de originalidade, o álbum de estreia da dupla formada por Rhian Teasdale e Hester Chambers é certamente carismático e bem-humorado. “Ainda há muito potencial por explorar, mas uma coisa é certa: o indie rock das Wet Leg é mesmo capaz de deixar qualquer um com um enorme sorriso na cara.

49. Lucrecia Dalt – ¡Ay!

Género: Art Pop; Bolero
Data de Lançamento: 14/10/2022
Editora: RVNG Intl.

Lucrecia Dalt - ¡Ay!

¡Ay!, a nova odisseia experimental de Lucrecia Dalt, tenta encontrar uma linguagem universal entre as suas origens musicais terrâneas e o seu misticismo extraterrestre. Pedaços de bolero, jazz e eletrónica vão-se fundindo e sendo dissolvidos pelo mistério impermeável que dá voz às odes de ficção científica da artista colombiana. Num choque entre o material e o imaterial, o espaço e o tempo, Dalt explora as limitações da humanidade, num disco conceptual que, para além da sua instrumentação detalhada, impressiona pelas suas aspirações narrativas.

48. Daniel Rossen – You Belong There

Género: Chamber Folk
Data de Lançamento: 08/04/2022
Editora: Warp

Esquivando-se dos mais recentes (e algo desapontantes) lançamentos dos Grizzly Bear, o norte-americano Daniel Rossen lança a sua carreira a solo com um desafiante teste às suas próprias habilidades. Por mais ornato e complexo que You Belong There consiga soar, é importante relembrar que é, desta vez, o trabalho de um só artista. Da mesma forma que assegura a tarefa de manusear todos os instrumentos ouvidos no álbum, foi um exercício à sua própria introspeção em tempos de pandemia, criando algo ao estilo de Yellow House, sem se colar em demasia aos anteriores projetos da banda-mãe.

47. Mitski – Laurel Hell

Género: Art Pop; Synth Pop
Data de Lançamento: 04/02/2022
Editora: Dead Oceans

Quatro anos depois do lançamento de Be the Cowboy, Mitski reaparece de uma longa ausência para apostar todas as suas cartas nas sonoridades do synth pop, num contraste que funciona surpreendente bem com a grande valência da sua arte: as suas letras frequentemente angustiantes e o derrame de emoções que provocam. Ainda que, por vezes, sacrifique a sua própria consistência, Laurel Hell apresenta algumas das faixas mais fervorosas da carreira da artista, sem esquecer a euforia sónica que acompanha a maioria do seu sexto trabalho de estúdio.

46. Fumo Ninja – Olhos de Cetim

Género: Indie Pop
Data de Lançamento: 25/03/2022
Editora: Revolve

O disco de estreia de Fumo Ninja bem pode ter a música pop como um ponto de partida, mas esta é só uma das peças de uma intrigante colagem de ideias distintivas. Vão sendo desvendadas ao longo da meia hora de música contida em Olhos de Cetim, e avistam-se rapidamente fusões com o jazz (ao estilo de Bruno Pernadas) ou encontros com o mundo relaxante e lo-fi do bedroom pop – mais notáveis nas contribuições da vocalista Leonor Arnaut. Ainda há muito por explorar, mas as primeiras andanças de banda são certamente promissoras.

45. SZA – SOS

Género: R&B
Data de Lançamento: 09/12/2022
Editora: Top Dawg; RCA

Ofuscado pela notoriedade do álbum de estreia de SZA, SOS não é tão transformador e coeso como o seu antecessor – a quantidade de faixas certamente não ajuda. Alguns podem até considerá-lo uma desilusão flagrante ao fim de cinco anos de antecipação, com a norte-americana a adotar uma abordagem mais formulaica do seu estilo, em vez de contorcer as convenções de que, com CTRL, se procurou distanciar. E, apesar de todos estes contratempos, é uma enorme prova do seu talento que SOS consiga, ainda assim, ser uma aliciante montanha-russa de emoções, repleta de desvios para o hip-hop e o pop punk, e, acima de tudo, algumas das canções de R&B mais contagiantes do ano.

44. Westside Gunn – 10

Género: Gangsta Rap; Drumless
Data de Lançamento: 28/10/2022
Editora: Griselda; Empire

Com 10, o ilustre mestre de cerimónias da Griselda encerra a sua série Hitler Wears Hermes em grande estilo. Apesar de um arranque turbulento, não se pode negar o olho de Westside Gunn para a curadoria, até quando se prende em demasia aos seus próprios maneirismos. Desde os luxuosos beats de boom bap e o seu exuberante carisma até à invejável equipa de convidados que consegue elevar algumas das suas imperfeições, 10 reúne o seu melhor lote de faixas desde Pray For Paris para uma grandiosa volta de despedida.

43. Soccer Mommy – Sometimes, Forever

Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 24/06/2022
Editora: Loma Vista

Sometimes, Forever vem renovar e dar novas cores à arte de Sophie Allison, mais conhecida como Soccer Mommy, com Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) a surgir aqui como um companheiro improvável de viagem. Porém, é rigorosamente a sua produção mais processada e rica que desvenda novos e intrigantes sons por entre a palete expectável de indie rock e grunge. É algo que evidencia, sem dúvida, maior maturidade na escrita de Allison, fazendo de Sometimes, Foreveruma autêntica lufada de ar fresco, tanto na sua discografia como na esfera atual do indie rock”.

42. Dawn Richard & Spencer Zahn – Pigments

Género: Ambient Pop; Chamber Jazz
Data de Lançamento: 21/10/2022
Editora: Merge

Fazendo-se quase passar por um ‘irmão perdido’ e ainda mais transdisciplinar de Promises (a deslumbrante colaboração entre Floating Points e Pharoah Sanders, editada em 2019), Pigments faz convergir os conhecimentos neoclássicos de Spencer Zahn com as inclinações de R&B de Dawn Richard. É, indubitavelmente, uma combinação arriscada que obriga ambos os artistas a saírem das suas zonas de conforto. O resultado final enche-se de texturas graciosas e de ambientes fantasiosos. Ainda que não ofereça grandes progressões nos seus 11 movimentos, Pigments ajuda a provar o magnetismo de Richard pelo desconhecido.

41. Angel Olsen – Big Time

Género: Americana; Alt-Country
Data de Lançamento: 03/06/2022
Editora: Jagjaguwar

Afastando-se das sonoridades caleidoscópicas de All Mirrors, Big Time marcou o regresso de Angel Olsen às suas raízes de country e americana. Oscilando “entre o luto e o romance […] com a mesma comoção que nos tem vindo a habituar”, o seu sexto longa-duração é um marcado por mudanças pessoais e baladas agridoces. Com cada uma das suas 10 faixas, Olsen caminha em direção à aceitação e a novos começos. Ainda que unidimensional, é mais um trabalho que consolida “a norte-americana como uma das letristas mais tocantes da atualidade”.

40. Petrol Girls – Baby

Género: Riot Grrrl; Punk Rock
Data de Lançamento: 24/06/2022
Editora: Hassle

Como muitas das clássicas bandas de riot grrrl que as precederam, as londrinas Petrol Girls não precisam de qualquer tipo de validação para desencadearem cada uma das suas enunciações políticas repletas de ferocidade. Com hinos vigorosos centrados nos direitos reprodutivos e das mulheres, na brutalidade policial e nos femicídios, não é difícil de prever que o seu terceiro álbum seja um dos mais urgentes e progressivamente relevantes deste ano. No entanto, e mesmo no meio de temas tão sérios, o tom sarcástico e caótico de várias das suas faixas também fazem de Baby um álbum surpreendentemente edificante.

39. Nas – King’s Disease III

Género: East Coast Hip-Hop; Boom Bap
Data de Lançamento: 11/11/2022
Editora: Mass Appeal

Muitos argumentos se podem enumerar a favor ou contra o lugar que Nas ocupa no olimpo do hip-hop. O que o percurso natural do tempo tem permitido revelar sobre isso é que a sua mestria tem envelhecido como o vinho. Aos 49 anos de idade, o lendário rapper está a desfrutar de mais um pico de carreira ao lado do produtor Hit-Boy. O último capítulo da trilogia King’s Disease não só coroa a inigualável dinâmica da dupla dentro do estúdio, como reintroduz Nas, com o peso e o valor de uma figura ancestral, para toda uma nova geração de artistas e fãs.

38. Tim Bernardes – MIL COISAS INVISÍVEIS

Género: MPB; Chamber Pop
Data de Lançamento: 14/06/2022
Editora: Psychic Hotline; Coala Records

MIL COISAS INVISÍVEIS mostra um Tim Bernardes mais confortável com as suas influências, mas igualmente confiante nas suas próprias artimanhas. A aura de intimidade de Recomeçar passeia de mão dada com os majestosos arranjos deste seu segundo álbum, que recordam grandes nomes da golden era da MPB e de um ramo mais corrente do indie. Quer se apresente num registo mais simplista ou noutro mais ostensivo, as baladas de Tim Bernardes nunca perdem a sua magia.

37. FKA twigs – CAPRISONGS

Género: Alternative R&B
Data de Lançamento: 14/01/2022
Editora: Young; Atlantic

Comparar CAPRISONGS aos restantes trabalhos de FKA twigs é algo injusto, mas inevitável de acontecer. Quem está à espera de algo mais monumental, uniforme e semelhante a MAGDALENE ou LP1, não o vai encontrar aqui. A sua nova mixtape não atinge os picos de mais nenhum álbum ou EP da artista britânica, mas, em contrapartida, capta twigs a abraçar uma vasta diversidade de sonoridades e estilos, naquele que, por muito que seja o seu projeto mais inconsistente, também é o mais artisticamente liberto e acessível entre eles.

36. Nilüfer Yanya – PAINLESS

Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 04/03/2022
Editora: ATO

Apesar de cortar nas aspirações conceptuais de Miss Universe, o segundo álbum de Nilüfer Yanya surge, logo à primeira vista, como um produto de maturação criativa e sentimental, impulsionado por alguma da produção mais perspicaz do indie rock lançado nos últimos 12 meses. Muito mais concentrado, revelador e heterogéneo do que a sua estreia, PAINLESS aprimora tanto a sua escrita contundente como as bases sónicas da sua composição, dando à britânica instrumentos suficientes para se libertar de um estado contínuo de melancolia e incerteza.

35. King Gizzard & The Lizard Wizard – Omnium Gatherum

Género: Psychedelic Rock
Data de Lançamento: 22/04/2022
Editora: KGLW

O ano de 2022 serviu quatro novas fornadas de material de uma das bandas mais prolíficas do momento. A quantidade em si não é, de todo, surpreendente para quem segue de perto o trajeto artístico dos King Gizzard & The Lizard Wizard. Contudo, o primeiro destes quatro álbuns foi, tecnicamente, uma dose dupla que cobre todas as bases imagináveis. Entre durações que variam dos 2 aos 18 minutos e um banquete de influências que vão do jazz ou do metal ao hip-hop, o fator-surpresa de Omnium Gatherum é justamente o elemento que lhe dá imponência, sendo mais um caso sério da versatilidade dos australianos.

34. Earl Sweatshirt – SICK!

Género: Abstract Hip-Hop
Data de Lançamento: 14/01/2022
Editora: Tan Cressida, Warner

Enquanto Some Rap Songs continua a revelar-se como um dos autorretratos mais introspectivos e tocantes que o hip-hop ofereceu na última década, SICK! surgiu como a oportunidade perfeita para Earl Sweatshirt se soltar um pouco sem romper laços com o registo ininteligível do seu antecessor. O carimbo de Black Noi$e e The Alchemist na produção certamente ajudou no resultado final. Aliás, são precisamente os momentos em que o rapper foge das sombras do passado e se reergue – com uma vivacidade que aparentava estar desaparecida desde os tempos de Doris – que acabam por ser os mais graciosos de todo o álbum.

33. Richard Dawson – The Ruby Cord

Género: Avant-Folk
Data de Lançamento: 18/11/2022
Editora: Domino

The Ruby Cord, o derradeiro capítulo de uma trilogia iniciada por Peasant em 2017, coloca-se, indiscutivelmente, entre os seus lançamentos mais desafiantes. Afinal, não são muitos os discos que testam os limites da paciência com uma entrada épica que se estende por 41 minutos. Se, no entanto, estivermos dispostos a mergulhar nas composições a lume brando e nas fábulas grandiosas que temos em mãos, o álbum mais recente de Richard Dawson cimenta firmemente a seu perspetiva arrojada de música folk, que moldou os últimos cinco anos da sua carreira.

32. Silvana Estrada – Marchita

Género: Chamber Folk
Data de Lançamento: 21/01/2022
Editora: Glassnote Records

Ao início, o álbum de estreia a solo de Silvana Estrada pode apresentar-se como escasso, até mesmo demasiado minimalista para o seu próprio bem. Contudo, por debaixo da voz encantadora e trémula da cantautora mexicana, repousa uma enorme bagagem de intensidade emocional. A delicadeza e quietude da instrumentação de Marchita marca o passo para aquela que é uma viagem de auto-descoberta para Estrada, pintada por um gosto confesso pelas tradições populares do seu país, mas sobretudo pelas flores que consegue colher da sua própria dor.

31. Kali Malone – Living Torch

Género: Drone
Data de Lançamento: 07/07/2022
Editora: Portraits GRM

Descartando o órgão de tubos (instrumento-chave do seu colossal antecessor, The Sacrificial Code), Kali Malone, natural dos Estados Unidos e sediada em Estocolmo, concentra-se agora noutras frentes, num produto final que hipnotiza com o seu misto de drone e produção eletroacústica. As duas metades de Living Torch oscilam entre o complementar e o antagónico (ambas com um efeito sedativo), que, com a entrada progressiva de ondas eletrónicas de distorção, sofrem disrupções inesperadas, vendo-se forçadas a adaptar-se a uma atmosfera bem mais sombria.

30. Conway the Machine – God Don’t Make Machines

Género: Gangsta Rap
Data de Lançamento: 25/02/2022
Editora: Drumwork Music Group; Shady; Griselda; Interscope

Conway the Machine faz da sua aguardada estreia na Shady Records o seu próprio livro de confissões, mergulhando a pés juntos num mar de feridas e traumas que dá ainda mais poder às suas letras. Quer reconte a sua dose de problemas de saúde e vícios ou reviva contos assombrosos da vida de rua, que quase causaram a sua própria morte, God Don’t Make Machines já parece ser um feito que definirá o resto da gloriosa carreira do rapper da Griselda.

29. Sudan Archives – Natural Brown Prom Queen

Género: Alternative R&B
Data de Lançamento: 09/09/2022
Editora: Stones Throw

Tal como Brittney Parks afirma repetidamente não ser uma artista comum, Natural Brown Prom Queen também não se conforma ao padrão da grande maioria dos álbuns de R&B. O sucessor de Athena leva-nos num conto autobiográfico e algo desorientante, pintado de tons vibrantes e sonorizado por praticamente qualquer estilo musical que a multi-instrumentalista consiga cobrir, indo das tendências do rap e do neo-soul ao art pop. Com quase todos os seus temas apoiados por um sentido de imaginação vigente, Natural Brown Prom Queen deixa a mente criativa de Parks à solta, deixando-nos a pensar se a sua versatilidade tem realmente limites.

28. Natalia Lafourcade – De Todas Las Flores

Género: Singer-Songwriter; Chamber Folk
Data de Lançamento: 28/10/2022
Editora: Sony

Na sua primeira coleção de originais desde Hasta la raíz em 2015, a mexicana Natalia Lafourcade opta por uma fusão requintada de chamber folk e de jazz latino, que tanto respeita os seus alicerces como os enche de nova vida. De Todas Las Flores ignora algumas das formalidades do seu catálogo mais recente e, em troca, coloca mais ênfase do que nunca na intensidade dos sentimentos que correm nas veias da sua música. A exuberância da instrumentação acaba por revelar, novamente, a plenitude da magia artística de Lafourcade, algo que sempre esteve evidente, mas nunca tão exposto.

27. The Weeknd – Dawn FM

Género: Synth Pop
Data de Lançamento: 07/01/2022
Editora: XO; Republic

Se After Hours viu Abel Tesfaye a personificar uma vida de fama e excessos com uma grande variedade de sonoridades, Dawn FM surge como a evolução desta sua nova persona […] e de Abel enquanto artista. O seu mais recente álbum pode não ter a consistência de After Hours, mas acaba por ganhar outra dimensão concetual que ainda não tinha conseguido implementar com sucesso. Também ajuda que muitos dos momentos altos de Dawn FM são tão bons ou melhores, do que muitos dos seus anteriores hit singles. É, mais uma vez, razão suficiente para afirmar que o canadiano consegue, cada vez mais, conciliar o estrelato mediático com a qualidade artística.

26. Ethel Cain – Preacher’s Daughter

Género: Slowcore; Americana
Data de Lançamento: 12/05/2022
Editora: Daughters of Cain

Concebido como o primeiro capítulo de uma eventual trilogia, o álbum de estreia de Ethel Cain está repleto de iconografia cristã, de relacionamentos condenados e de tragédias devastadoras que nos afogam numa piscina de escuridão. Não há como negar a atenção que é dada à componente narrativa de Preacher’s Daughter, bem como ao seu impacto emocional. Talvez a sua maior proeza, contudo, se traduza na promessa do que ainda está para vir. Criar algo tão brutalmente ousado – mesmo que um pouco unidimensional – logo à primeira tentativa só demonstra que a mente visionária de Cain ainda vai dar muito que falar.

25. Ravyn Lenae – HYPNOS

Género: Alternative R&B
Data de Lançamento: 20/05/2022
Editora: Atlantic

O que Ravyn Lenae apresenta com o seu aguardado álbum de estreia é uma visão extremamente refrescante do que o R&B pode ser e encarnar. HYPNOS é um dos trabalhos mais criativos e encantadores neste registo dos últimos tempos. Não está repleto de radicalismos e, afinal, não tem de ser totalmente inovador para fascinar. Nesse campo, já Ravyn Lenae revela uma enorme mestria e confiança, estando bem lançada para se tornar um dos nomes mais sonantes de uma nova vanguarda do R&B.

24. Chat Pile – God’s Country

Género: Noise Rock; Sludge Metal
Data de Lançamento: 29/07/2022
Editora: The Flenser

Para os Chat Pile, já vivemos num inferno inescapável e God’s Country podia ser a sua furiosa banda sonora. Cruzando o noise rock com o sludge metal, a estreia em discos da banda de Oklahoma relembra-nos constantemente a frieza do sistema capitalista e do mundo em geral, pelos olhos de quem mais sofre com o seu funcionamento. Quer recorde tragédias verídicas ou encarne os sofrimentos dos sem-abrigo, o frontman Raygun Busch canaliza algumas das atuações vocais mais demoníacas deste ano para cercar cada ouvinte, sem condescendências, numa viagem absolutamente claustrofóbica. Uma American Horror Story bem real, alguns poderão dizer.

23. The Smile – A Light for Attracting Attention

Género: Art Rock
Data de Lançamento: 13/05/2022
Editora: XL

São mais as semelhanças do que as diferenças entre os The Smile e os Radiohead, mas o que A Light for Attracting Attention prova é que não são de todo a mesma imagem. É um álbum de estreia de um trio de luxo que sabe captar os seus passados artísticos e florescer de formas inesperadas, libertando igualmente a pressão natural da categorização da banda-mãe de Thom Yorke e Jonny Greenwood. Aliás, de todos os side projects associados ao histórico quinteto britânico, este é, possivelmente, o mais encantador e promissor deles todos.

22. billy woods – Aethiopes

Género: Abstract Hip-Hop
Data de Lançamento: 08/04/2022
Editora: Backwoodz Studioz

Claramente a atravessar mais um pico criativo, billy woods editou não um, mas dois estonteantes discos: Aethiopes e Church. O primeiro, no entanto, revela o rapper naquele que se pode considerar o seu registo mais intelectualmente ambicioso, com o passado histórico a assombrar o presente e o colonialismo a lançar uma sombra atormentadora sobre cada minuto do mesmo. Apoiado pela produção igualmente indecifrável da Preservation, “a natureza labiríntica das narrativas” e rimas de woods pede para serem decifradas até ao limite, num álbum que promete vir a revelar ainda mais camadas e facetas com o avançar do tempo.

21. Animal Collective – Time Skiffs

Género: Psychedelic Pop
Data de Lançamento: 04/02/2022
Editora: Domino

Se o output dos Animal Collective desapontou na última década, o mesmo não se verifica com Time Skiffs. As tonalidades abrasivas que marcaram essa época são agora trocadas por uma maior objetividade e subtileza, com o quarteto a redesenhar as suas bases para soarem mais convencionais e acessíveis, sem perderem também a sua imersividade pelo caminho. Não chega aos calcanhares dos seus melhores trabalhos, mas Time Skiffs pode bem ser o primeiro passo para o renascimento de uma das bandas mais aclamadas do universo indie.

20. Pusha T – It’s Almost Dry

Género: Gangsta Rap
Data de Lançamento: 22/04/2022
Editora: G.O.O.D. MUSIC, Def Jam

Falta alguma harmonia a It’s Almost Dry para estar ao nível de DAYTONA, mas, nos seus momentos mais gloriosos, Pharrell Williams e Kanye West provam, mais uma vez, que não há mesmo ninguém que entenda tão bem a essência de Pusha T enquanto rapper como eles mesmos. Sim, o seu longo historial com estes dois contemporâneos coloca-o certamente em terreno fértil, mas, verdade seja dita, sempre foi com estes ingredientes que Pusha T vingou melhor.

19. Julia Jacklin – PRE PLEASURE

Género: Indie Rock; Singer-Songwriter
Data de Lançamento: 26/08/2022
Editora: Polyvinyl; Transgressive

Após a tempestade de mágoas captada em Crushing, a australiana Julia Jacklin segue agora ao sabor do vento com PRE PLEASURE. É um digno sucessor, carregado de dinamismo e aberto a mudanças, tanto nos temas propriamente ditos como na instrumentação. “A guitarra, sua fiel companheira de escrita, fica para segundo plano em favor do piano”, a dor de outras andanças abre a porta a novas paixões. O que se mantém é a emoção na escrita de Jacklin, que agora fica ainda mais exposta. “Ao captar estes sentimentos com uma humanidade palpável, relembra-nos que, às vezes, o verdadeiro consolo está em saber amar.

18. Steve Lacy – Gemini Rights

Género: R&B; Neo-Soul
Data de Lançamento: 15/07/2022
Editora: RCA

O mais recente disco de Steve Lacy revela-se como o testamento que o norte-americano sempre mostrou ser capaz de fazer. Não perdendo de vista a sua faceta mais DIY que o catapultou no início da carreira, prova ser mais do que só puro talento. Abrindo a porta a colaborações dentro do estúdio, a qualidade mais aliciante de Gemini Rights centra-se no toque moderno que injeta nas suas influências de neo-soul e psychedelia. Junte-se a isto a eficácia e memorabilidade das suas 10 faixas e não é difícil perceber o porquê de, para além de ter sido um sucesso entre as massas, ser o momento em que Lacy “finalmente se afirma confiantemente enquanto artista a solo”.

17. Perfume Genius – Ugly Season

Género: Art Pop
Data de Lançamento: 17/06/2022
Editora: Matador

Quem encontrou na divina simplicidade de No Shape ou Set My Heart on Fire Immediately um porto de conforto, poderá ouvir o sexto álbum de Perfume Genius e sentir-se imediatamente desconectado. No entanto, aquilo que Ugly Season abdica em acessibilidade, compensa em surrealismo e extravagância. Para quem ainda achasse que a sua criatividade podia ser delineada, Ugly Season ensina-nos que, da mente inovadora de Mike Hadreas, o melhor é mesmo esperar o inesperado.

16. Soul Glo – Diaspora Problems

Género: Hardcore Punk
Data de Lançamento: 25/03/2022
Editora: Epitaph

Indo muito para além dos fundamentos do punk, o trio natural de Filadélfia constrói sobre anos de raiva e trauma sócio-político para entregar 40 minutos de música absolutamente implacável. Construíndo uma fusão entre elementos de hardcore e hip-hop, as atuações psicóticas do vocalista Pierce Jordan cercam Diaspora Problems com um humor incisivo e chamadas incessantes à ação perante uma sociedade negligente face aos abusos e corrupções, no que já se sente ser um trabalho vital tanto no estado atual da música punk como no seu futuro.

15. Viagra Boys – Cave World

Género: Post-Punk; Dance-Punk
Data de Lançamento: 08/07/2022
Editora: YEAR0001

Nunca foi um segredo que os Viagra Boys respiram insanidade, e, em vez de a retraírem no seu dançável terceiro álbum, os suecos abraçam-na por completo. Com Sebastian Murphy a apontar o dedo às idiossincrasias da raça humana, fazendo a ligação ao nosso passado primata, Cave World está cheio de sátiras e ridicularizações a todo o tipo de perdedores e de trogloditas. É um álbum que brilha mais quando os sublinhados cómicos dos Viagra Boys estão em exposição total, e quando esse traço é justamente o que lhes dá uma margem sobre outras bandas de post-punk, torna-se difícil de contestar que é com Cave World que os suecos realmente assumem a sua essência.

14. Little Simz – NO THANK YOU

Género: Conscious Hip-Hop
Data de Lançamento: 12/12/2022
Editora: Age 101; AWAL; Forever Living Originals

Pouco mais de um ano após o lançamento de Sometimes I Might Be Introvert (merecidíssimo vencedor do mais recente Mercury Prize), NO THANK YOU atenua a orquestração triunfante, bem como as suas ambições conceptuais, continuando a debruçar-se sobre os mesmos tópicos da sua obra-prima homérica. Com Inflo a revelar-se novamente como o seu elo mais forte na produção, as atuações de Little Simz são tão fulgurantes como sempre foram. Retornando também ao registo mais solto de álbuns como GREY Area, NO THANK YOU é mais uma demonstração de peso que cimenta o lugar da britânica entre os grandes do hip-hop.

13. Kendrick Lamar – Mr. Morale & The Big Steppers

Género: Conscious Hip-Hop
Data de Lançamento: 13/05/2022
Editora: pgLang; Top Dawg; Aftermath; Interscope

Por vezes, é fácil ignorar que as principais figuras criativas dos nossos tempos são tão perfeitamente imperfeitas como qualquer outro ser humano. O caso de Kendrick Lamar não é diferente: ele não é e nunca esteve destinado a ser o nosso salvador. O seu quinto e último álbum com o selo da TDE certifica-se que, ao longo da terapêutica peça de teatro que vai montando, estejamos cientes disso mesmo. Guiado pelo escritor Eckhart Tolle e pela companheira Whitney Alford, Mr. Morale & the Big Steppers retrata o homem por detrás da cortina, numa pintura dominada por traumas e superações. Ao abordar os seus defeitos e pecados, Lamar abre o caminho para o nosso próprio indulto, num disco tão complexo e contraditório como a experiência humana que nos define.

12. ROSALÍA – MOTOMAMI

Género: Neoperreo
Data de Lançamento: 18/03/2022
Editora: Columbia; Sony Music España

M de MOTO, M de MAMI. É sempre com esta evidente dualidade que MOTOMAMI se ergue. O contemporâneo e o tradicional, o pop e o flamenco, o seguro e o arriscado, o empoderamento e o sentimentalismo. Mas acima de tudo, o que ROSALÍA aspira com o seu terceiro álbum é o que poucos artistas com o seu nível de popularidade sequer se atrevem a fazer. Algo à semelhança de um trabalho como Yeezus, por exemplo, MOTOMAMI prova que, por uma artista se enquadrar no mainstream, não tem de ter falta de vontade e força para inovar, para ir mais além. Afinal, também passa por aí a chave do encanto de ROSALÍA: alguém que conquista e provoca as massas, sem deixar de marchar ao seu próprio ritmo.

11. Denzel Curry – Melt My Eyez See Your Future

Género: Southern Hip-Hop; Jazz Rap
Data de Lançamento: 25/03/2022
Editora: PH Recordings; Loma Vista

Por detrás da agressividade de Imperial e de TA1300, a moralidade tem sido a espinha dorsal do catálogo de Denzel Curry. Que Melt My Eyez See Your Future, o seu quinto disco, mergulhe a fundo na mente do rapper não é um choque total, empurrando o seu bravado para segundo plano, em prol de uma faceta mais contemplativa. A vasta gama de estilos musicais – do jazz rap e do neo-soul ao trap e até mesmo ao drum and bass – abre caminho para várias meditações sobre saúde mental, problemas sistémicos ou os males maiores do mundo moderno. Num disco feito de balanços, as suas dissecações dão sempre que pensar. Tal como a honestidade sempre nos trouxe a verdadeira forma de Curry, Melt My Eyez See Your Future atribui-lhe por direito uma autoanálise artística para não esquecer tão cedo.

10. Beach House – Once Twice Melody

Género: Dream Pop
Data de Lançamento: 18/02/2022
Editora: Sub Pop; Bella Union

Há uma década atrás, Victoria Legrand e Alex Scally cimentavam o seu posto no altar do dream pop com Bloom, um álbum majestoso, mesmo pelos padrões do seu igualmente fenomenal antecessor. Bandas tão estabelecidas não se costumam atrever a perseguir direções inovadoras ao fim de oito álbuns, e, no entanto, não há muitos exemplos do mesmo calibre dos Beach House. Once Twice Melody é arriscado por natureza, abrangendo quase 85 minutos (divididos em 4 capítulos), sendo também o primeiro trabalho auto-produzido da dupla de Baltimore. O retorno é enorme, compondo as sonoridades que marcaram os seus lançamentos pós-Devotion e pintando-as com novas cores. Os Beach House sempre criaram música imersiva e hipnótica, mas nunca soaram tão maximalistas como em Once Twice Melody, uma rara expansão de uma fórmula já aperfeiçoada que nos desvenda um futuro inesperadamente prometedor.

09. Danger Mouse & Black Thought – Cheat Codes

Género: Conscious Hip-Hop; Boom Bap
Data de Lançamento: 12/08/2022
Editora: BMG

A arte do produtor Brian Burton tem vivido, em grande parte, à base da colaboração. Sempre foi a chave do seu “ethos criativo” e, entretanto, já ajudou artistas como Gorillaz, Parquet Courts, Gnarls Barkley ou MF DOOM a encontrar a forma apropriada para alguns dos seus melhores trabalhos. Avançamos para 2022 e Cheat Codes marca o tão aguardado regresso de Danger Mouse ao hip-hop para a grande afirmação de Black Thought a solo, “afastado do invejável catálogo dos The Roots”. Os instrumentais de boom bap oscilam entre o vintage e o moderno, até chegando a atingir dimensões cinematográficas, mas são os sempre impressionantes jogos de palavras de Tariq Trotter que assumem o comando do espetáculo. Qualquer purista ou simples apreciador do hip-hop ficará deslumbrado com o que uma dupla desta qualidade consegue criar, visto que Cheat Codes tanto celebra o legado dos veteranos como reapresenta “a classe e virtuosidade da velha guarda” a toda uma nova geração de entusiastas.

08. Jockstrap – I Love You Jennifer B

Género: Glitch Pop; Art Pop
Data de Lançamento: 09/09/2022
Editora: Rough Trade

Para os britânicos Jockstrap, a arte é mais do que capaz de viver “desprotegida de estereótipos, de limites”. O que serve como ponto de partida para o seu fantasioso álbum de estreia é o que também os coloca numa posição sem igual no vasto panorama da música britânica. O glitch pop da “produção camaleónica e audaz de Taylor Skye” tem bases bem distintas da ternura da voz ou dos violinos de Georgia Ellery. Entre distorções e silêncios, passagens eletrónicas e acústicas, assistimos, em tempo real, à desconstrução da música pop. Nenhuma ideia é demasiado bizarra para não caber na bolha surrealista dos Jockstrap e tudo o que consiga florescer do convencional para o inovador é bem-vindo. I Love You Jennifer B estranha e, ao mesmo tempo, fascina, justamente por culpa dessa ambição desmedida, num primeiro álbum que contém mais imaginação do que muitas discografias inteiras.

07. JID – The Forever Story

Género: Conscious Hip-Hop
Data de Lançamento: 26/08/2022
Editora: Dreamville; Interscope

No coração da muito aguardada continuação de The Never Story, espreita-se a biografia de JID. Cada relação, fonte de orientação e luta que marcou a sua ascensão encontra o seu rasto em The Forever Story, uma odisseia que vive em função das autorreflexões do rapper e brilha graças à sua imensa humanidade. Circunscrever o álbum apenas ao seu impacto emocional seria, contudo, um desserviço à fluidez criativa que JID demonstra ao longo das suas 15 faixas. As suas rimas enigmáticas e uma faceta mais melódica, juntamente com os sons do passado e do presente (nomeadamente o trap, o jazz rap e o neo-soul), entrelaçam-se numa maravilhosa exibição de interpretações sentidas e enérgicas, cheias de vanglória e capacidade técnica. The Forever Story não se sobrepõe apenas ao catálogo passado de JID. Marca a afirmação de uma das maiores promessas de toda uma geração, para além de o consolidar como um mentor da arte poética no hip-hop contemporâneo.

06. Alvvays – Blue Rev

Género: Indie Pop; Shoegaze
Data de Lançamento: 07/10/2022
Editora: Polyvinyl; Transgressive

O tempo é um luxo que nem todos podem suportar na indústria da música. Cinco anos entre lançamentos não costuma ser a norma, mas para uma banda tão venerada no espetro do indie pop como os Alvvays, o tempo consegue ser uma fonte de recompensa, mesmo quando o destino não jogue a seu favor. E Blue Rev, o primeiro álbum desde Antisocialites, encontra o ouro ao refinar a estética do quinteto canadiano. Os sons do jangle pop vêem-se agora enriquecidos pelo dinamismo do shoegaze. É um trabalho que recompensa quem for descascando as suas múltiplas camadas por entre a densidade da produção. Os doces refrões de Molly Rankin ou as numerosas explosões instrumentais que a banda proporciona afundam-se na memória mais rapidamente do que se pode sequer imaginar. A música dos Alvvays sempre teve o seu quê de intemporal, mas a natureza infinitamente saciante de Blue Rev já parece destinada a perdurar como tão imediatamente gratificante, mesmo depois de se esgotar o fator-novidade.

05. Beyoncé – RENAISSANCE

Género: Dance Pop; House
Data de Lançamento: 29/07/2022
Editora: Columbia; Parkwood

Beyoncé é uma força cultural indomável. Com cada lançamento, redefine o que significa ser um ícone pop, atuando sempre ao mais alto nível e gerando, no domínio do mainstream, ondas de impacto e de inovação absolutamente incalculáveis. RENAISSANCE, no entanto, embarca no recente ressurgimento do dance pop e, fundamentalmente, aperfeiçoa a sua fórmula. O sucessor de Lemonade pode ser visto de diferentes formas. Uma carta de amor à música house, toda ela entrelaçada com uma variada gama de outras influências musicais, do disco ao afrobeats. Um DJ set com cerca de uma hora de duração, em constante mutação, com um efeito magnético em quem se deixa sucumbir pela sua genialidade. Um poderoso envolvimento do ballroom, da cultura queer e dos seus pioneiros. Uma vibrante celebração feita de empoderamento, de autoconfiança, de ser único. Acima de tudo, é o tipo de manifesto que só alguém como Beyoncé conseguiria fazer resultar. “RENAISSANCE é serotonina pura e dura, pela mão de uma das artistas mais célebres do século”, um álbum suficientemente capaz de liderar, mais uma vez, uma nova transformação da música pop.

04. Weyes Blood – And in the Darkness, Hearts Aglow

Género: Baroque Pop; New Age
Data de Lançamento: 18/11/2022
Editora: Sub Pop

Antes mesmo de ver a luz do dia, o principal foco de discussão em torno do mais recente trabalho de Natalie Mering centrou-se numa só questão: como é que se sucede a Titanic Rising? Na verdade, And in the Darkness, Hearts Aglow nunca precisa de responder a quaisquer dúvidas, assumindo-se, em vez disso, como uma continuação direta e um segundo capítulo de uma trilogia. Com Jonathan Rado de volta na produção, o destino fatídico que outrora pairava sobre o seu último álbum já nos é conhecido. Ainda que tenha assumido formas diferentes do previsto, Mering alimenta-se agora do desespero e do isolamento que reinaram no mundo pandémico. É um traço que facilmente teria atirado o álbum para o fatídico território dos clichés, se não tivesse sido conduzido com tanta nuance. Os lamentos de Mering são transcendentes e comoventes, guiando-nos pela atmosfera etérea do disco como uma dádiva divina. Mas o maior elogio que se pode dar a And in the Darkness, Hearts Aglow é registar como Weyes Blood nunca sucumbe à pressão do seu antecessor, criando um complemento quase tão encantador, encontrando ainda novas formas de se ligar à natureza humana.

03. black midi – Hellfire

Género: Avant-Prog; Jazz Rock
Data de Lançamento: 15/07/2022
Editora: Rough Trade

Os britânicos black midi são impossíveis de controlar ou até mesmo de definir. Fazem da imprevisibilidade o seu combustível e da anarquia a sua terra fértil, assumindo-se como mestres do seu próprio jogo. Num minuto, ampliam a sua teatralidade para baladas majestosas, e, no seguinte, desencadeiam um concurso de virtuosismo musical sem fim à vista. Esta afirmação impera em tudo o que a banda britânica alguma vez fez, mas é com o seu terceiro disco que deixam, justamente, todo o inferno à solta. Hellfire vibra na sua volatilidade, ainda mais do que em trabalhos anteriores. Aumentando as influências de prog rock, o trio encontra a sua miséria nos horrores da guerra e em combates de boxe bárbaros. À medida que vamos conhecendo os seus pecados, o caos irrompe através do frenetismo da instrumentação, com os vocalistas Geordie Greep e Cameron Picton a entrarem, também eles, nesta espiral de insanidade. É uma apropriada “viagem pelo abismo, ao som do prog rock mais vanguardista desta geração. Afinal, este é o inferno dos black midi e nós, meros mortais, já estamos a viver nele.

02. Big Thief – Dragon New Warm Mountain I Believe In You

Género: Indie Folk
Data de Lançamento: 11/02/2022
Editora: 4AD

A vida sempre esteve no centro da música do Big Thief – os sentimentos que aproximam as pessoas, as experiências que partilhamos em conjunto. E algo tão alastrado e extenso como o mais recente disco dos norte-americanos nunca resultaria na sua plenitude se não estivesse tão cheio de vida. É apenas uma das múltiplas razões que fazem de Dragon New Warm Mountain I Believe In You uma espécie de milagre musical. Ao longo de 20 faixas e 80 minutos, a banda exibe o quão espontânea consegue ser, fazendo desta viagem algo de maravilhosamente imprevisível, misturando investidas pelo folk rock, pela americana ou pela indietronica, sem deixar de fora as suas raízes mais acústicas. E, por detrás da natureza heterogénea do álbum e dos seus muitos momentos de pura genialidade, encontra-se Adrianne Lenker, um verdadeiro talento geracional capaz de projetar todo o tipo de emoções na sua escrita. Dragon New Warm Mountain I Believe In You é indiscutivelmente o trabalho mais aventureiro e ambicioso dos Big Thief. O apelo do grupo, no entanto, nunca muda. Quanto mais o ouvimos, também nós nos sentimos mais cheios de vida.

01. Black Country, New Road – Ants From Up There

Género: Post-Rock; Art Rock
Data de Lançamento: 04/02/2022
Editora: Ninja Tune

Vamos diretos ao assunto: o segundo álbum de estúdio dos Black Country, New Road é absolutamente estonteante. Tornado ainda mais marcante pela partida repentina do vocalista Isaac Wood, Ants From Up There encontra urgência na contemplação e dor nas muitas correntes de consciência que pintam a sua narrativa catártica. Estruturado até à perfeição e apoiado por atuações magistrais de cada um dos membros, cada canção produz um impacto implacável. Wood, com a sua poesia devastadora (sempre a transbordar de emoção), vai tentando silenciar a miséria e contornar a instabilidade, numa busca eterna por um escape, um fim para todo o seu sofrimento. A sua saída do grupo e as razões por detrás da mesma acabam por ligar a realidade à própria arte, fazendo de tudo isto um final perfeito dos Black Country, New Road como os conhecemos. Foi apenas há um par de anos que surgiram como uma das maiores promessas britânicas, ao lado de outros talentos da Windmill Scene. À medida que o grupo vira uma página na sua carreira, Ants From Up There vai ganhando ainda mais ímpeto com o avançar do tempo. É um álbum que parece já destinado a tornar-se uma peça essencial do panorama atual da música rock e, acima de tudo, um clássico iminente.

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