Os Destaques de Março 2022

Nilüfer Yanya – PAINLESS

Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 04/03/2022

Miss Universe, editado em 2019, pode não ter sido um dos álbuns mais celebrados desse ano, mas é responsável por ser a grande apresentação da britânica Nilüfer Yanya ao mundo. Para um álbum de estreia, é certamente ambicioso. Amplo em estilos e influências e concetual de raiz, Miss Universe acaba por servir como um palco para Yanya expor todas as suas emoções e inspirações artísticas, mesmo que se note que ainda há muito potencial por explorar. O EP Feeling Lucky?, lançado no final de 2020, pareceu abrir o caminho para algo mais polido, por isso acaba por não ser uma enorme surpresa quando o segundo álbum de Nilüfer Yanya, PAINLESS, permite que os traços-base da sua música floresçam a olhos vistos.

Logo à primeira vista, o sucessor de Miss Universe sacrifica qualquer tipo de narrativas e conceitos por algo mais focado, coeso e até mesmo homogéneo. O que une definitivamente as 12 faixas de PAINLESS é a vulnerabilidade de Nilüfer Yanya. Se só isso chega ou não para tornar todos os temas cativantes é outra questão, mas é verdade que Yanya, mais do que nunca, incorpora na sua arte o seu lado mais introspetivo. shameless e trouble são introspetivos de raiz, com a voz e letras de Yanya no centro de tudo, e com os restantes elementos musicais a abraçarem um lado mais subtil, de forma a fazer sobressair as emoções de Yanya. L/R e try, por outro lado, colam-se mais ao R&B, já explorado anteriormente nos trabalhos da britânica, nunca sacrificando a crueza que marca grande parte de PAINLESS.

Ainda assim, são os dois primeiros singles de PAINLESS que mostram o melhor de Nilüfer Yanya. stabilise é, de longe, o tema mais enérgico deste seu segundo álbum (talvez a parte de the dealer, canção introdutória de PAINLESS), e também um dos mais viciantes, logo à primeira vista. midnight sun é outro dos vários momentos em que Nilüfer Yanya não receia tocar na ferida e criar algo catártico a partir da sua dor. E não é só Yanya que consegue destacar-se no meio da sua música. A produção ganha muito mais destaque aqui do que em Miss Universe, com destaque para o uso da bateria ao longo do álbum. O grunge de midnight sun, o post-punk de stabilize ou até a aparente amenidade do último tema do disco, anotherlife. São formas de reforçar o que Yanya vocaliza, quer seja através de poucos (mas merecidos) momentos de alguma explosividade ou das constantes tonalidades de melancolia que assombram PAINLESS, até mesmo nos temas mais descartáveis, como chase me, company ou belong with you.

Sim, é com PAINLESS que Nilüfer Yanya apresenta um segundo álbum muito mais consistente e potente do que Miss Universe, mas também mais íntimo. Está repleto de incertezas, dúvidas, dilemas, memórias agridoces, e é a forma como Yanya expõe o seu psyche que a liberta nos seus instantes mais catárticos. As feridas estão lá, bem presentes, mas, para Yanya, o mais importante é como sará-las.

Benny The Butcher – Tana Talk 4

Género: Boom Bap; Gangsta Rap
Data de Lançamento: 11/03/2022

Há poucos acontecimentos tão certos na vida como novos lançamentos da Griselda a cada ano que passa. Quer venham do trio principal, composto por Westside Gunn, Benny The Butcher e Conway the Machine, ou dos restantes membros igualmente talentosos (Mach-Hommy ou Boldy James, por exemplo), é quase sempre garantido que haja novo material à espreita, tendo em conta que a produtividade dos seus artistas já faz parte da sua imagem de marca a este ponto. 2022 já nos trouxe o último álbum de Conway no seu contrato com a editora, God Don’t Make Mistakes (possivelmente o melhor dos seus 3 álbuns em nome próprio), e, poucas semanas depois, chega Tana Talk 4, a aguardada sequela ao álbum mais enigmático de Benny The Butcher, Tana Talk 3, lançado em 2018.

Estilisticamente, a diferença entre Burden of Proof ou The Plugs I Met, os últimos projetos de Benny, e Tana Talk 4 é enorme. Num álbum com poucos temas insípidos, e sem retirar os méritos aos produtores Hit-Boy e Harry Fraud, que se encarregaram da produção dos trabalhos referidos, não há mesmo ninguém como Daringer e The Alchemist para colocar Benny The Butcher (e também os restantes membros da Griselda) no seu habitat natural. Aliás, o contributo dos dois é recorrentemente alternado ao longo de Tana Talk 4, quase como se o espírito competitivo do rapper também se refletisse nos produtores, tentando sempre elevar Benny The Butcher a novos picos. No que toca a faixas a solo, Super Plug ou Bust A Brick Nick estão carregadas da sonoridade sinistra e deslumbrante que tem vindo a caracterizar grande parte dos melhores trabalhos da editora e que já não se via num trabalho de Benny The Butcher precisamente desde o último Tana Talk.

Os vários convidados, muitos deles presenças regulares em discos da Griselda, conseguem, em muitas ocasiões, acompanhar este nível de energia. Como é habitual, as colaborações com os companheiros de editora são, na sua grande maioria, magníficas. Quer se fale de Back 2x com Stove God Cooks, de Weekends In The Perry’s com Boldy James ou de Tyson vs. Ali com Conway the Machine, a verdade é que, pondo de parte Guerrero, com Westside Gunn, da equação, quem consegue sobressair melhor nos beats à la Griselda são mesmo os seus próprios membros.

Ainda neste campo, Tana Talk 4 reserva alguns dos seus melhores momentos para duas colaborações inesperadas: Johnny P’s Caddy com J. Cole (um dos melhores singles de hip-hop de 2022 até ao momento) e 10 More Commandments com Puff Daddy, uma pseudo-sequela à icónica faixa de Biggie Smalls, Ten Crack Commandments. Tana Talk 4 também reserva espaço para alguma vulnerabilidade, nomeadamente com alusões ao tiroteio que, em 2020, deixou temporariamente Benny numa cadeira de rodas. Infelizmente, o tema mais alusivo a este incidente, Mr. Chow Hall, não tem muito mais a oferecer para além disso.

Como um todo, Tana Talk 4 é praticamente uma victory lap para Benny The Butcher, e não só por ser um digno sucessor de Tana Talk 3. É inegável o impacto do império que a Griselda tem vindo a construir nos últimos anos e, ao lado de Westside Gunn e Conway the Machine, Benny tem aqui mais uma demonstração do seu poderio artístico, se calhar a mais eficaz em quase meia década.

ROSALÍA – MOTOMAMI

Género: Neoperreo
Data de Lançamento: 18/03/2022

De uma das grandes promessas da música latina para o palco mediático mundial. Foi esta a transição que impulsionou ROSALÍA, de forma algo repentina, para o estrelato. Não que a catalã não esteja habituada a transformações artísticas, claro. Ainda há 5 anos lançava Los Ángeles, o seu álbum de estreia, consideravelmente diferente do que agora transparece na sua música. Mesmo assim, as suas raízes artísticas ainda conseguiram transitar para EL MAL QUERER, o seu segundo álbum e o primeiro verdadeiro sucesso comercial à escala global para ROSALÍA. É flamenco com ambições de art pop, não precisa de mais de meia hora para se assentar como algo magnificamente vanguardista. E, por falar em originalidade, o sucessor de EL MAL QUERER é mais uma masterclass nessa componente.

Ao início, ouvir MOTOMAMI é tão nauseante como fazer múltiplos peões numa mota. Apesar de ser um trabalho que balança com grande sucesso os seus tons simultaneamente acessíveis e excêntricos, MOTOMAMI não perdoa na sua estruturação, com as duas metades distintas de ROSALÍA a terem um papel quase antagónico. Com um lado MOTO mais excêntrico e um lado MAMI mais vulnerável, o terceiro álbum de ROSALÍA comete-se, por completo, a este intenso contraste. Bangers arrojados e impetuosos como SAOKO ou LA COMBI VERSACE (com a participação de Tokischa) contracenam com baladas encantadoras, como é o caso de HENTAI ou COMO UN G. É uma pena que algo como a title track ou BIZCOCHITO percam um pouco do seu valor com uma duração tão curta, ou até mesmo SAKURA, que encerra MOTOMAMI sem grande fervor. Escusado será falar de CHICKEN TERIYAKI, o único momento completamente dispensável no meio de um carpaccio tão distinto e astuto.

Ocasionalmente, também se estabelece um meio-ponto entre ambas as frentes de MOTOMAMI. CUUUUuuuuuute alterna entre experimentalismos e belíssimas passagens em que, mais uma vez, a todo-poderosa voz de ROSALÍA se revela divina, com uma impecável produção que quase se assemelha a inúmeros trabalhos de Arca. CANDY é um neoperreo mais melodramático do que outros temas semelhantes por entre as suas 16 faixas – não esquecendo a incrível alusão a Burial no refrão – e até mesmo o clash de ROSALÍA e The Weeknd em LA FAMA funciona bem melhor na prática do que pode inicialmente transparecer. MOTOMAMI também não deixa cair por completo as bases mais tradicionais da agora estrela pop. BULERÍAS e DELIRIO DE GRANDEZA, principalmente, trazem o flamenco pop de EL MAL QUERER de volta, com autotune e sampling a darem claramente um tom contemporâneo às mesmas.

M de MOTO, M de MAMI. É sempre com esta evidente dualidade que MOTOMAMI se ergue. O contemporâneo e o tradicional, o pop e o flamenco, o seguro e o arriscado, o empoderamento e o sentimentalismo. Mas acima de tudo, o que ROSALÍA aspira com o seu terceiro álbum é o que poucos artistas com o seu nível de popularidade sequer se atrevem a fazer. Algo à semelhança de um trabalho como Yeezus, por exemplo, MOTOMAMI prova que, por uma artista se enquadrar no mainstream, não tem de ter falta de vontade e força para inovar, para ir mais além. Afinal, também passa por aí a chave do encanto de ROSALÍA: alguém que conquista e provoca as massas, sem deixar de marchar ao seu próprio ritmo.

Fugly – Dandruff

Género: Garage Rock; Punk Rock
Data de Lançamento: 18/03/2022

Para os portuenses Fugly, a maturidade traz várias adversidades e dúvidas. Já lá vão quatro anos desde que o quarteto composto por Pedro Feio (ou Jimmy), Rafael Silva, Nuno Loureiro e Ricardo Brito lançou o álbum de estreia Millennial Shit (e seis desde o EP Morning After) e, tal como acontece com qualquer um, também a banda vai envelhecendo com o avançar dos anos. Lançado com o apoio da editora Saliva Diva, Dandruff mostra o bonito e o feio, as certezas e as incertezas de uma banda consciente da sua evolução, mas que simultaneamente não perde o lado eletrizante que tanto tem vindo a marcar o seu percurso até agora.

O garage rock e o punk deste segundo álbum dos Fugly contém o material perfeito para pôr qualquer um ao rubro. Stay in Bed, Old Age Mutant Sewer Punks ou Mom vêm logo à cabeça pela sua energia irresistível, mas os destaques não ficam por aí. Music ou Wasteland, como é o caso com várias faixas em Dandruff, encontram um lado bem-humorado e cómico dentro da ansiedade constante de crescer. A vida não é uma aventura fácil, mas parece que os Fugly encontraram a receita ideal para levá-la com mais algum ânimo.

Denzel Curry – Melt My Eyez See Your Future

Género: Southern Hip-Hop; Jazz Rap
Data de Lançamento: 25/03/2022

“They only know Denzel Curry, but they really don’t know Denzel”, afirmava o rapper a meio do seu terceiro e mais aclamado disco, o multifacetado TA13OO. Oscilando entre alter-egos e o homem por trás de todos os holofotes, foi assim que Denzel Curry rapidamente construiu um dos cabazes musicais mais aliciantes do hip-hop contemporâneo. Em Imperial e no já referido TA13OO, entre a agressividade que Denzel tão bem consegue captar, abria-se algum espaço para a discussão de tantos temas altamente relevantes, para momentos de introspeção, de reflexão pessoal, principalmente neste último. Melt My Eyez See Your Future pode surgir só depois de “ZUU” (2019) e do EP colaborativo com o produtor Kenny Beats, “UNLOCKED”, mas já estava a ser cuidadosamente desenhado desde 2018. E não é difícil perceber porquê.

O quinto álbum do rapper de Carol City em muito diverge de todos os seus restantes álbuns. Desta vez, a faceta mais pessoal de Denzel Curry está mesmo no centro da narrativa de Melt My Eyez See Your Future. Traumas e tabus traçam uma visão muito mais íntima do rapper, num álbum que não hesita em trocar a explosividade de outrora por uma atmosfera mais serena quando se revela necessário. Melt Session #1, Mental, Angelz e The Ills, por exemplo, trocam bangers por tonalidades de jazz rap e neo-soul à la The Soulquarians, servindo como a via perfeita para Denzel abordar saúde mental, abusos e erros do passado, tudo isto por cima de um trabalho de produção notável, com caras como Robert Glasper ou Karriem Riggins a estarem em destaque aqui. Entre outros nomes, JPEGMAFIA e Thundercat também contribuem nesta vertente com John Wayne e The Smell of Death, mas, com alguma surpresa, as suas respetivas faixas não deixam grandes impressões.

Por muito que este lado mais zen de Denzel seja uma constante, Melt My Eyez See Your Future até consegue ser suficientemente diverso em termos sónicos. No caso de Walkin, a faixa transita de um boom bap inicial para uma secção mais trap, mas usando sempre o mesmo sample elegante como base. X-Wing inclina-se ainda mais nesta sonoridade, mas o resultado final fica muito aquém. Os breakbeats de Zatoichi, por outro lado, oferecem uma colaboração surpreendente com um slowthai vocalmente distorcido no refrão, enquanto Troubles puxa, com a ajuda de T-Pain e de Kenny Beats, para um lado mais melódico, sem sacrificar a exploração das principais temáticas do disco. Não convém esquecer Ain’t No Way, com um elenco invejável composto por Denzel, 6LACK, Rico Nasty, J.I.D e Jasiah – nenhum deles desilude.

Um álbum tão meditativo e minucioso como Melt My Eyez See Your Future não se cria de ânimo leve. Naquela que é essencialmente a sua viagem de autorreflexão, Denzel Curry escolhe a progressão. Mais do que uma mudança completa do seu som, o seu mais recente disco balança diversidade e coesão com um lado mais contemplativo do rapper. Tal como diz a expressão popular, o pior cego é aquele que não quer ver, mas, no meio de todos as tentações que a vida pode trazer, Denzel Curry escolhe a verdade.

Soul Glo – Diaspora Problems

Género: Hardcore Punk
Data de Lançamento: 25/03/2022

Entre os drafts iniciais e as gravações finais, Diaspora Problems, o novo álbum dos Soul Glo, agora compostos por Pierce Jordan, GG Guerra e TJ Stevenson, levou 6 anos a estar completo. Felizmente, o demorado processo não foi em vão, com Diaspora Problems a ser um dos mais intrigantes discos lançados nos primeiros 3 meses de 2022, independentemente do estilo musical.

Diaspora Problems consegue misturar elementos de hardcore, industrial hip-hop ou screamo com um enorme sentido de criatividade. Big Black, Dead Kennedys ou Bad Brains vêm frequentemente à memória, mas o que os Soul Glo apresentam com o seu primeiro disco desde a sua junção à Epitaph Records é algo que, para além de sonicamente feroz e imperdoável, consegue ser surpreendentemente refrescante.

As potentes atuações vocais de Pierce Jordan são uma constante ao longo de Diaspora Problems, mas facilmente se consegue destacar faixas como Gold Chain Punk (whogonbeatmyass?), Jump!! (Or Get Jumped!!!)((by the future)) ou (Five Years And) My Family, ou então os temas mais dominados pelas sonoridades do hip-hop, como é o caso de Driponomics ou de Spiritual Level Of Gang Shit, canção que encerra este Diaspora Problems, um dos melhores álbuns de hardcore da presente década e que promete também marcar o resto de 2022.

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