Os Destaques de Janeiro 2022

The Weeknd – Dawn FM

Género: Synth Pop
Data de Lançamento: 07/01/2022

Ao fim de quase 11 anos de carreira, Abel Tesfaye dispensa apresentações. Entre a tão celebrada trilogia original de mixtapes que o colocaram na ribalta ou o sucesso inegável do seu último trabalho, After Hours, torna-se cada vez mais inescapável falar de artistas atuais com star power e não mencionar The Weeknd. Ainda assim, o que convém destacar de After Hours é essencialmente a metamorfose que Abel sofre enquanto artista, apresentando finalmente um álbum que oferece muito mais do que dececiona, algo que não se verifica em tentativas anteriores, quer se fale de Kiss Land, Beauty Behind the Madness ou Starboy. Aliás, o que Abel conseguiu fazer com After Hours foi, de certa forma, renascer das cinzas. After Hours é, se calhar, a par de House of Balloons, o seu maior sucesso artístico até ao momento, algo que inegavelmente também se estende aos números e ao seu impacto cultural, sentido principalmente no revivalismo do synth pop que se seguiu.

Por muito que After Hours não se foque e destaque só nesta vertente, é precisamente o synth pop que acaba por marcar ainda mais o seu sucessor, Dawn FM, trabalho este que traz de volta nomes como Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) ou Max Martin na parte da produção, desta vez em maior destaque. Para além das claras qualidades que o artista canadiano possui para criar música pop absolutamente essencial, acaba por ser a constante presença de Lopatin em Dawn FM que se revela como fundamental para a junção de todos os ingredientes-chave que fazem deste um marco no portfólio musical de Abel Tesfaye.

O início da relação profissional entre os dois é mais do que conhecida. Desde que Lopatin ficou a cargo da banda sonora do excelente filme dos irmãos Safdie lançado em 2019, Uncut Gems, a sua produção singular deu luz a alguns dos destaques em After Hours, como Scared to Live ou Until I Bleed Out, onde a sua clara paixão por sintetizadores brilha mais alto. O último álbum de Lopatin, Magic Oneohtrix Point Never (com The Weeknd no lugar de produtor executivo), foca-se, à semelhança de Dawn FM, na estética de uma estação de rádio fictícia recheada de abstração, interrupções de transmissão e muita originalidade à mistura. Não é de todo surpreendente que Abel tenha beneficiado desta experiência, adaptando o conceito que OPN previamente incorporou à sua nova sonoridade, aproveitando a deixa para também introduzir o enigmático Jim Carrey como apresentador de Dawn FM e redobrar a estética de synth pop que provou ser tão eficaz em After Hours. É esta química inegável que acaba por marcar os melhores momentos de Dawn FM – e estes não demoram muito a serem introduzidos.

Dawn FM não perde muito tempo com introduções. Na verdade, a primeira metade do álbum permite poucas pausas para respirar, mas quando se tem faixas tão eletrizantes como Gasoline (que conta com algumas passagens que se assemelham aos sons de new wave), How Do I Make You Love Me?, o single de apresentação Take My Breath (que se encontra agora na sua versão estendida, sendo esta ainda mais satisfatória do que a opção regular) e Sacrifice a serem lançadas todas de seguida para o universo sónico que Abel conseguiu criar (e com transições impecáveis que reforçam as bases de Dawn FM), é fácil de entender porquê. Entre o estupendo trabalho de produção feito por OPN, Max Martin e, surpreendentemente, os suecos Swedish House Mafia (que coproduzem duas das quatro faixas mencionadas) e alguns dos melhores refrões da discografia de Abel até agora, Dawn FM não podia pedir um melhor início.

Ainda na primeira parte do álbum, Abel aventura-se pelo city pop com a excelente Out of Time (que utiliza, como sample condutor, Midnight Pretenders de Tomoko Aran, tema relativamente conhecido para quem aprecia este subgénero) e protagoniza um surpreendente dueto com Tyler, The Creator em Here We Go…Again. Com tantos momentos altos logo a abrir o álbum, a questão coloca-se: consegue a segunda metade de Dawn FM manter o mesmo nível de qualidade? Infelizmente, a labareda que define o início do disco vai perdendo fogo quando nos aproximamos do tão referido amanhecer.

Por muito que faixas como Is There Someone Else?, Starry Eyes ou I Heard You’re Married (coproduzida por Calvin Harris) não deixem um sabor amargo, também não fazem muito por ficar na memória. O mesmo pode-se estender a porções de Best Friends ou Don’t Break My Heart, mas nestes dois exemplos, os refrões e a produção colmatam os versos menos aprimorados. Todavia, o purgatório simbólico de Dawn FM culmina com alguma elegância, com Less Than Zero e um último texto redigido por Jim Carrey em Phantom Regret by Jim a agruparem muitos dos seus temas centrais.

Se After Hours viu Abel Tesfaye a personificar uma vida de fama e excessos com uma grande variedade de sonoridades, Dawn FM surge como a evolução desta sua nova persona, tendo assim um fulcral momento de aceitação, e de Abel enquanto artista. O seu mais recente álbum pode não ter a consistência de After Hours, mas acaba por ganhar outra dimensão concetual que ainda não tinha conseguido implementar com sucesso. Também ajuda que muitos dos momentos altos de Dawn FM são tão bons ou melhores do que muitos dos seus anteriores hit singles. É, mais uma vez, razão suficiente para afirmar que Abel Tesfaye consegue, cada vez mais, conciliar o estrelato mediático com a qualidade artística. Resta agora esperar que o terceiro capítulo desta nova trilogia consiga beneficiar do que resultou nos primeiros dois capítulos e trazer música pop ainda mais contagiante e eficaz.

FKA twigs – CAPRISONGS

Género: Alternative R&B
Data de Lançamento: 14/01/2022

Ao longo da última década, houve poucos nomes sonantes do art pop tão vanguardistas quanto FKA twigs. Não esquecendo também os notáveis EP’s que já lançou, os dois álbuns que tem em seu nome, LP1 de 2014 e MAGDALENE de 2019, são ambos monumentais, embora por diferentes razões. LP1 é um dos álbuns de pop mais experimental e sonicamente cativante de que há memória. O segundo trabalho de twigs é mais emocionalmente avassalador e catártico do que o seu antecessor, mas igualmente elegante, não deixando completamente de lado alguns momentos de experimentação.

O que se segue a MAGDALENE não é o terceiro álbum da artista, mas sim uma “mixtape” – CAPRISONGS é o seu nome. Ao invés de procurar evoluir ainda mais as bases de LP1 ou MAGDALENE, twigs explora novos estilos e vertentes que muitos não esperariam vindo da artista britânica, fazendo de CAPRISONGS uma experiência dinâmica e surpreendentemente variada em termos de influências.

Um dos melhores aspetos da mixtape é precisamente esta constante imprevisibilidade. Algumas das canções mais acessíveis de twigs, como o single de apresentação tears in the club (com produção de Arca, que volta a trabalhar com a cantora, e uma breve aparição de The Weeknd), misturam-se com ensaios de drill em darjeeling, com a ajuda de Jorja Smith e Unknown T, ou de dancehall em papi bones, ao lado de Shygirl. Pelo caminho, também é possível ficar deslumbrado a ouvir meta angel, com efeitos vocais a assemelharem-se aos sons de Charli XCX, ou ride the dragon, uma faixa de abertura recheada de beats minimalistas e vocal chops.

Esta maior abertura para partilhar o palco com outros artistas também é agradável, algo que só tinha acontecido uma outra vez nos anteriores trabalhos de twigs, acabando por mostrar a vontade e determinação que FKA twigs demonstra para arriscar e trabalhar de forma diferente com CAPRISONGS. Para além das colaborações já mencionadas, as presenças de Pa Salieu em honda, de Rema em jealousy e de Daniel Caesar em careless fundem surpreendentemente bem com as atuações de twigs, servindo como um importante complemento para tornar as respetivas faixas um pouco mais apelativas.

Ainda assim, um projeto tão heterogéneo como CAPRISONGS pode, por vezes, produzir resultados mistos – e isso verifica-se mais frequentemente do que seria de esperar. No meio de vários destaques, surgem canções como oh my love, lightbeamers ou which way, que são claramente menos polidas e atrativas do que as demais, ou os 3 interludes, que, honestamente, não acrescentam o suficiente para ter algum impacto na experiência global. Momentos como estes acabam por quebrar um bocado o ritmo da mixtape, por muito que esta não tenha propriamente um fio condutor.

Comparar CAPRISONGS aos restantes trabalhos de FKA twigs é algo injusto, mas inevitável de acontecer. Quem está à espera de algo mais monumental, uniforme e semelhante a MAGDALENE ou LP1, não o vai encontrar aqui. A sua nova mixtape não atinge os picos de mais nenhum álbum ou EP da artista britânica, mas, em contrapartida, capta twigs a abraçar uma vasta diversidade de sonoridades e estilos, naquele que, por muito que seja o seu projeto mais inconsistente, também é o mais artisticamente liberto e acessível entre eles.

Earl Sweatshirt – SICK!

Género: Abstract Hip-Hop
Data de Lançamento: 14/01/2022

Desde a explosão dos Odd Future logo a abrir a última década, Thebe Kgositsile (mais conhecido como Earl Sweatshirt) sempre seguiu uma trajetória intrigante, especialmente quando comparado com os dois outros principais membros do agora extinto coletivo, Tyler, The Creator e Frank Ocean. Com o avançar dos anos, Earl tentou, de certa forma, demarcar-se do estrelato e da estética a que ficou inicialmente associado. Os seus trabalhos foram ficando cada vez mais introspetivos, abstratos, ininteligíveis, curtos em duração – e por muito que o ponto de viragem tenha sido I Don’t Like Shit, I Don’t Go Outside, foi com Some Rap Songs que construiu algo realmente especial, possivelmente um dos melhores álbuns de hip-hop de última década.

SICK!, o seu novo álbum, é estilisticamente semelhante ao seu espantoso antecessor. Partilhando, mais uma vez, muitas dos traços de outros trabalhos relativos à sLUms Collective (MIKE, Navy Blue, Pink Siifu, Adé Hakim), Thebe apresenta-se num registo um pouco mais otimista em relação ao mundo que o rodeia, mas ainda lidando de perto com depressão e luto, aspetos centrais em Some Rap Songs. Juntam-se, igualmente, os efeitos da pandemia, que acabou por ter um impacto na sua criação e que, para lá da óbvia conotação do título do álbum, é superficialmente abordada ao longo do mesmo.

Ainda assim, SICK! consegue ser muito mais palpável do que Some Rap Songs. Aliás, a maior surpresa do álbum, para além de Earl Sweatshirt não produzir nenhuma das suas 10 faixas, é que são precisamente os momentos mais diretos que acabam por ser melhor executados. A maioria dessas músicas têm o carimbo de Black Noi$e na produção, que acaba por ser o casamento perfeito para algumas das atuações mais energéticas de Earl em anos.

O excelente single de apresentação 2010, Old Friend (onde reflete sobre os velhos tempos e os antigos colegas dos Odd Future) ou Fire in the Hole são provas dessa maior objetividade, mas o produtor também consegue ir buscar um pouco da nebulosidade de outrora para Vision, com Earl e ZelooperZ a navegar sem problemas no meio de um beat desnorteante. A par de Vision, Tabula Rasa, com uma participação dos Armand Hammer, é uma das duas músicas mais longas de SICK!, com 4 minutos cada, num projeto que, mais uma vez, dá preferência a músicas breves, mas que fazem o máximo do pouco tempo que têm. No entanto, a crescente falta de direção na segunda pode alienar alguns, por muito que Billy Woods, Elucid e Earl não desapontem nos seus versos.

Titanic e a faixa que dá nome ao projeto focam-se mais em 808’s e hi-hats do que propriamente em samples, sendo interessante ver Thebe a tentar adaptar-se a caminhos menos habituais, por muito que nenhuma das duas canções referidas se destaque claramente. Lobby e God Laughs são as canções mais vagas do projeto, muito graças à simplicidade dos instrumentais, mas, ao contrário das suas anteriores explorações desta sonoridade, a presença de Thebe é estranhamente inerte e pouco polida.

Naquele que é o seu álbum mais curto, Earl Sweatshirt consegue mostrar, em grande parte, o porquê de ser um dos nomes mais celebrados do mundo do hip-hop. A produção é singular, a escrita de Earl continua muito acima da média, algumas das suas melhores músicas desde 2018 encontram-se por entre as 10 faixas que dão forma a SICK!. Só é pena que não consiga retirar tantos coelhos da cartola como aconteceu com Some Rap Songs. A press release do álbum indica que, antes do acontecimento que inspirou SICK!, Thebe estava a trabalhar num outro álbum, The People Could Fly. Qualquer que seja a forma que o seu próximo projeto irá assumir, não faltarão razões para escutar tudo o que inspire a brilhante mente de Earl Sweatshirt.

foxtails – fawn

Género: Screamo
Data de Lançamento: 14/01/2022

Nos últimos anos, o screamo, ao contrário de outras vertentes derivadas do estilo emo, tem caído um pouco em desuso. Excluindo eventualmente o caso dos Touché Amoré, é cada vez mais difícil encontrar conceitos dotados de originalidade dentro deste subgénero tão específico. Felizmente, fawn, o quarto álbum dos norte-americanos foxtails, é uma agradável surpresa logo a abrir este novo ano.

Jon Benham, Michael Larocca e Jared Schmidt, o mais recente membro do quarteto, são todos peças instrumentais na banda, fundindo a base de screamo com outros elementos pouco usuais neste estilo musical. A presença de violinos é uma constante ao longo das 12 faixas que dão forma a fawn, atribuindo alguns elementos de chamber music à base de screamo e sendo central para reforçar a poderosa intensidade de tudo o resto, quer seja dos instrumentos em si ou das letras catárticas da grande maioria das canções. Ainda assim, é a potência vocal de Megan Cadena-Fernandez que rapidamente se torna no elemento de maior destaque, transportando a já referida emoção da sua escrita com enorme eficácia.

Os instantes iniciais de fawn são explosivos, com o trio sequencial de Star-Crossed, Ataque de Nervios e Gazelle a marcar o passo para o resto do álbum. Guitarras e bateria chocam de forma desgovernada com violinos e voz, numa tentativa frenética, mas, na maioria das ocasiões, bem conseguida, de arranjar espaço no meio de um caos controlado. Esta estética começa a ficar algo previsível e menos impactante após este fôlego inicial, mas, já na segunda metade de fawn, a banda consegue ascender a novos níveis, com Space Organ, Life Is a Death Scene, Princess e Catalyst a conseguirem mais uma vez conjugar elegância com explosividade e a concretizar com êxito cada uma das progressões que apresentam. Paper Tiger fica encarregue de fechar o álbum e, felizmente, não desaponta, sendo até uma das melhores que fawn tem para oferecer.

Para quem procura mais alguma originalidade que ultimamente não tem surgido noutras bandas de screamo, os foxtails conseguem quebrar alguns tradicionalismos deste subgénero e oferecer algo inovador com fawn, uma lufada de ar fresco num estilo musical que tanto necessita dele.

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