Os 50 Melhores Singles de 2022
2022. O ano em que êxitos antigos de Kate Bush ou The Cramps tiveram um ressurgimento entre as massas. O ano em que Hudson Mohawke alcançou um bizarro pico de popularidade. O ano em que plataformas como o TikTok ditam cada vez mais a viralidade da música. E no que toca a singles, os últimos 12 meses certamente não desapontaram. Desde êxitos inescapáveis de algumas das figuras mais emblemáticas da indústria a temas inesquecíveis de vários artistas a viverem o seu auge artístico, estes são os 50 melhores singles para o nosso melómano e crítico musical, Rui Cunha.
50. Men I Trust – Billie Toppy
Género: Post-Punk
Data de Lançamento: 28/09/2022
Editora: Independent
Amplamente celebrados pelas paletes reconfortantes de bedroom pop que deram azo a Oncle Jazz e Untourable Album, os canadianos Men I Trust viram a página na sua trajetória com Billie Toppy. Mantendo a voz suave de Emmanuelle Proulx e as guitarras recheadas de reverb como centro das atenções, a principal mudança surge no instrumental, que toma o rumo do post-punk, naquela que é a faixa mais enérgica do trio até ao momento.
49. Arctic Monkeys – There’d Better Be a Mirrorball
Género: Chamber Pop
Data de Lançamento: 30/08/2022
Editora: Domino
Afastando-se cada vez mais das sonoridades que ditaram a sua ascensão à fama, os britânicos Arctic Monkeys criaram The Car como um orgulhoso herdeiro das fundações de Tranquility Base Hotel + Casino. A questão de terem ou não conseguido refinar esta fórmula é, certamente, debatível. No entanto, There’d Better Be a Mirrorball compreende toda a serenidade e o mistério de anteriormente. A exuberância instrumental também lhe dá mais maturidade, sem que a elegância da orquestração e dos jogos nostálgicos de Alex Turner se percam pelo caminho.
48. Gorillaz – Cracker Island (feat. Thundercat)
Género: Electro Pop
Data de Lançamento: 22/06/2022
Editora: Parlophone
Após Song Machine ter ressuscitado o projeto chefiado por Damon Albarn de um turbilhão criativo, a faixa-título de Cracker Island, o próximo longa-duração dos Gorillaz, promete prosseguir o trajeto ascendente começado pelo trabalho que o antecedeu. Com Thundercat a juntar-se ao culto para fornecer os seus carismáticos dotes vocais e no baixo, é, no entanto, Albarn quem volta a assumir um posto mais dianteiro, depois de ter desempenhado um papel mais secundário em Song Machine.
47. Charlotte Adigéry & Bolis Pupul – Ceci n’est pas un cliché
Género: Dance Pop
Data de Lançamento: 27/01/2022
Editora: DEEWEE
Tal como o título do seu primeiro longa-duração (Topical Dancer) pretende indicar, Charlotte Adigéry e Bolis Pupul irrompem para colocar o dedo na ferida e falar do “elefante na sala”, sem retirar a diversão da sua arte. Num disco repleto de comentário sociopolítico, Ceci n’est pas un cliché aponta os canhões à música pop, com a dupla belga a ironizar à volta dos mesmos mantras a que estamos acostumados, por cima de um groove intoxicante – um dos elementos essenciais por detrás de qualquer êxito que puxa multidões.
46. Florence + The Machine – Free
Género: Pop Rock
Data de Lançamento: 20/04/2022
Editora: Polydor; Universal
Num novo mergulho às profundezas dos seus traumas, Florence Welch pinta, com recurso às suas vivências, o poder que a ansiedade tem em si mesma e as suas diversas manifestações: uma prisão de sofrimento infindável, uma barreira ilimitada, um monstro indomável. Da mesma maneira que a música ilumina o caminho da cantora, Free (co-produzida por Jack Antonoff) iguala-se a um refúgio de todos os males, à banda sonora indicada para todo o tipo de escapatórias, convertendo-se, de igual forma, num dos manifestos mais pessoais de Welch.
45. Two Shell – home
Género: UK Bass; Post-Dubstep
Data de Lançamento: 20/01/2022
Editora: Mainframe Audio
Entre um DJ set no Boiler Room verdadeiramente peculiar e uma identidade pública envolta em mistério, os londrinos Two Shell têm-se revelado num dos próximos tesouros da música eletrónica britânica, com um estilo de produção semelhante aos contemporâneos Bicep e Overmono e muita criatividade na bagagem. home – que passou do vinil para o digital no início do ano – justifica seguramente estes presságios, com uma fusão de breakbeats acelerados e vocal loops que encaixa bem no espetro do hyperpop e prenuncia um mar de exaltação em qualquer rave que conte com a sua presença.
44. Carly Rae Jepsen – Talking To Yourself
Género: Dance Pop
Data de Lançamento: 16/09/2022
Editora: Interscope
The Loneliest Time, o novo trabalho de originais de Carly Rae Jepsen, fica severamente reprimido pela sua própria desordem, algo que se refletiu logo nas primeiras amostras do disco, Western Wind e Beach House. Contudo, Talking to Yourself trouxe uma réstia de esperança no meio de tanta inconsistência. Enquanto obsessões românticas e cenários retóricos pairam no ar, Jepsen empenha-se em retornar às estéticas devotas dos anos 80, reabilitando a chama de E•MO•TION e comprovando que, mesmo entre percalços, a canadiana raramente falha na promessa de mais hinos vibrantes.
43. Nilüfer Yanya – midnight sun
Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 19/01/2022
Editora: ATO
Fiel à essência de PAINLESS, a vulnerabilidade de Nilüfer Yanya é o ponto de partida de midnight sun. Por cima de um instrumental inicialmente brando, a britânica leva o seu tempo a despoletar o seu ato de rebelião romântica. De verso em verso, ergue-se com mais certeza e, com o culminar de midnight sun a aproximar-se, a derradeira afronta coloca a sua voz totalmente envolvida pela intensidade da distorção das guitarras. Com cada confrontação, Nilüfer Yanya vai-se encontrando um pouco mais e libertando a tensão.
42. Fado Bicha – Crónica do maxo discreto
Género: Synth Pop; New Wave
Data de Lançamento: 13/05/2022
Editora: N/A
Com Moullinex ao volante e a influência assumida de António Variações, Crónica do maxo discreto vê Lila Fadista e João Caçador a brincarem com confissões bem guardadas, repressões sexuais e desconstruções dos ideais de masculinidade, num conto cómico que lança, simultaneamente, a dúvida e o pânico na personagem principal, numa sucessão de aflições, para que a sua namorada não descubra o que diz querer manter como segredo.
41. Sudan Archives – Home Maker
Género: R&B; Nu-Disco
Data de Lançamento: 16/03/2022
Editora: Stones Throw
No primeiro minuto e meio de Home Maker (e do seu último trabalho, Natural Brown Prom Queen), testemunhamos algo de especial em formação: um repetitivo processo de testagem com trechos sonoros a nascer e a ofuscarem-se em segundos. Ao passo que a cantora e violinista Brittney Parks acerta nas peças do puzzle e ganha confiança, a instrumentação vai em crescendo, até Sudan Archives florescer numa força capaz de atrair tudo o que a faça sentir em casa.
40. KayCyy & Gesaffelstein – OKAY!
Género: Experimental Hip-Hop; Trap
Data de Lançamento: 11/02/2022
Editora: YZY SND
2022 não foi o ano mais consistente para um dos artistas mais promissores de uma nova vanguarda do trap, mas KayCyy encontrou o ouro no preciso momento em que decidiu colaborar com Gesaffelstein, o célebre produtor francês que já tem vindo a dar cartas no universo do hip-hop desde os tempos de Yeezus. Daí resultou um trio de faixas, inseridas no EP TW20 50, mas é com OKAY! que a dupla vai mais além. Enquanto Gesaffelstein erradica as drum machines em favor de sintetizadores minimalistas, KayCyy embarca num registo semelhantemente errático ao do seu contemporâneo Playboi Carti para nos oferecer algo bizarramente desafiante, fugindo da frequente tentação de “jogar pelo seguro”.
39. Fever Ray – What They Call Us
Género: Post-Industrial
Data de Lançamento: 05/10/2022
Editora: Mute
Num reencontro artístico com o irmão Olof Dreijer (saciando os desejos de uma reunião propriamente dita dos The Knife), o primeiro lançamento de Karin Dreijer numa mão cheia de anos estabelece um intrigante meio-ponto entre os instrumentais sinteticamente hipnóticos de Plunge e a estética mais sombria do disco de estreia auto-intitulado, abrindo da mesma maneira o apetite para um futuro terceiro álbum, Radical Romantics, a ser lançado no próximo mês de março.
38. Kelela – Happy Ending
Género: Breakbeat; UK Garage
Data de Lançamento: 19/10/2022
Editora: Warp
Se existe algum tipo de movimento renascentista no R&B, então a norte-americana Kelela é, sem sombra de dúvidas, uma das suas principais bandeiras. O silêncio que se seguiu a Take Me Apart foi prolongado, mas o seu retorno promete compensar (e muito) a demora. Happy Ending, um dos dois temas já editados de Raven, é mais uma ode às festas sem fim, debaixo de jogos de luzes e de uma bola de espelhos, com Kelela a orbitar por entre os breakbeats jubilantes da autoria de LSDXOXO e Bambii.
37. Pusha T – Diet Coke
Género: Gangsta Rap
Data de Lançamento: 08/02/2022
Editora: G.O.O.D. MUSIC, Def Jam
O aguardado regresso de Pusha T aos holofotes foi brindado com Diet Coke, um dos muitos temas de It’s Almost Dry, com a produção de Kanye West. Se, por um lado, o beat da autoria de 88-Keys – reaproveitado por West, 18 anos após a sua criação original – nos remonta para uma época onde o chipmunk soul estava em alta, o carisma de Push está melhor do que nunca. Quer ridicularize os seus contemporâneos ou preste homenagens a alguns dos seus ídolos (como Missy Elliott ou Jay-Z), Diet Coke volta a colocar Pusha T no lugar que nunca abandonou: o trono do coke rap.
36. LCD Soundsystem – new body rhumba
Género: Dance Punk
Data de Lançamento: 30/09/2022
Editora: DFA; Columbia
Certo será dizer que ninguém adivinhou no seu lote de previsões para 2022 um regresso dos LCD Soundsystem associado aos créditos de White Noise, o novo filme de Noah Baumbach. Ainda no domínio das improbabilidades, o feito mais chocante é que new body rhumba é um estonteante comeback para James Murphy e companhia, depois de american dream ter soado a uma despedida algo amarga. Os pilares de qualquer maratona musical dos LCD Soundsystem pré-2017 – os sintetizadores, os cowbells, a percussão alvoroçada, os animados falsetes de Murphy – voltam a emergir na sua plenitude, numa viagem inesperada a um passado distante que volta a dar ímpeto a uma banda que tanto precisa dele.
35. DOMi & JD Beck – TAKE A CHANCE (feat. Anderson .Paak)
Género: Jazz Rap
Data de Lançamento: 06/07/2022
Editora: Apeshit Inc.; Blue Note
Tendo começado a dar que falar com os seus primorosos tributos de Madvillainy ou Giant Steps, a dupla formada pela teclista francesa Domi Louna e pelo baterista norte-americano JD Beck rapidamente se tornou num dos principais nomes de toda uma nova geração de prodígios do jazz. Com a edição de um disco de estreia e a chancela da nova editora de Anderson .Paak, é expectável que este integre o principal single de NOT TiGHT. Com .Paak a contornar subtilmente as oscilações repentinas de compassos (entre 7/4 e 4/4), TAKE A CHANCE mostra DOMi e JD Beck a adaptarem-se a normas mais tradicionais, sem sacrificarem a sua virtuosidade e a forte aposta em melodias aconchegantes.
34. Wednesday – Bull Believer
Género: Noise Rock; Shoegaze
Data de Lançamento: 08/09/2022
Editora: Dead Oceans
O extraordinário novo tema do quinteto da Carolina do Norte é uma criatura com duas cabeças, uma arrepiante epopeia de noise rock pautada pelas suas proporções assombrosas e pelos abalos e descargas que ocasiona, um feito que poucas faixas do estilo conseguiram atingir este ano. Durante oito minutos e meio, Bull Believer manipula pouco a pouco toda a tensão que se instala, para depois rompê-la por inteiro, numa explosão sónica narrada pelos gritos catárticos da vocalista Karly Hartzman.
33. Benny The Butcher & J. Cole – Johnny P’s Caddy
Género: Boom Bap
Data de Lançamento: 28/01/2022
Editora: Griselda; Empire
Depois de Benny The Butcher ter ficado de fora de Revenge of the Dreamers III (apesar de ter marcado presença nas gravações da terceira compilação da Dreamville), J. Cole retribui o favor com Johnny P’s Caddy, o single de apresentação de Tana Talk 4, o quarto volume da renomeada série de trabalhos do rapper. Com The Alchemist a trazer o boom bap ríspido, normalmente associado aos lançamentos da Griselda, a dupla aumenta progressivamente o nível, com alguns dos melhores versos de ambos os artistas nos últimos anos. Em definitivo, este tema não só enaltece o passado atribulado de Benny e Cole, como celebra o seu poderio em frente a um microfone.
32. PinkPantheress & Sam Gellaitry – Picture in my mind
Género: Dance Pop
Data de Lançamento: 10/08/2022
Editora: Warner Music
De snippets virais no TikTok para o domínio do mainstream com a mixtape To Hell With it, a britânica PinkPantheress nunca escondeu as suas sensibilidades de música eletrónica, tendo até contribuído – à boleia de muita nostalgia – para uma crescente reapreciação do UK garage e do 2-step. Não é, por isso mesmo, surpreendente que uma colaboração com o produtor escocês Sam Gellaitry – fruto da era dourada do SoundCloud – faça tanto sentido e seja tão eufórica. Tal como as suas melhores canções, as melodias contagiantes de Picture in my mind pedem reproduções sucessivas e ambientes animados. É um par perfeito para os ritmos pulsantes de Gellaitry, que promete incendiar qualquer festa de verão.
31. Soccer Mommy – Shotgun
Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 23/03/2022
Editora: Loma Vista
Com Shotgun, Sophie Allison – amplamente conhecida como Soccer Mommy – concilia com enorme sucesso a sua escrita melancólica com as sonoridades grunge que já tinham sido uma influência artística em color theory e que Daniel Lopatin (Oneohtrix Point Never) ajuda a ampliar com a sua produção refinada e densa. Conforme Allison se solta perante a incerteza e o fervor de um novo romance, a vaga sónica que a rodeia também é munida da mesma intensidade, lançando Soccer Mommy num rodopio de euforias e sacrifícios, capaz de gerar tanto chamas como feridas.
30. Beyoncé – BREAK MY SOUL
Género: House
Data de Lançamento: 21/06/2022
Editora: Sony; Columbia
Num trabalho que coloca tanto peso em mood setters e sequenciações, nenhum tema de apresentação consegue realmente fazer justiça a todo o esplendor e variedade de RENAISSANCE, o regresso aos discos de Beyoncé, ao fim de seis longos anos. BREAK MY SOUL, co-produzida por Tricky Stewart e The-Dream, não é um golpe feroz que joga na mesma liga de FORMATION. A motivação nasce agora de outras fontes. Quer seja os comandos de Big Freedia – uma das principais embaixadoras do bounce – a ordenar uma libertação absoluta ou a icónica bassline de Show Me Love, de Robin S., a marcar o passo, BREAK MY SOUL gira em torno dos mesmos pilares que consolidaram a música house nas décadas de 80 e 90 para um verdadeiro hino ao empoderamento, capaz de afugentar qualquer preocupação.
29. Julia Jacklin – Love, Try Not To Let Go
Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 19/07/2022
Editora: Polyvinyl; Transgressive
A chegada de PRE PLEASURE, o terceiro e mais recente disco da australiana Julia Jacklin, veio acompanhada de uma série de mudanças. Em Love, Try Not To Let Go, um dos seus quatro singles, as dores e mágoas de Crushing saem de cena – ainda que não seja de forma crónica – e a guitarra, sua fiel companheira de escrita, fica para segundo plano em favor do piano. Mas o que ressalta mais é a porta que Jacklin abre: a do amor. O que antes lhe causou tormento, agora explode de emoção e, apesar de ter mais dúvidas do que certezas, Jacklin escolhe tentar.
28. Pharrell Williams – Cash In Cash Out (feat. 21 Savage & Tyler, The Creator)
Género: Hip-Hop; Trap
Data de Lançamento: 10/06/2022
Editora: Columbia
Com um beat que atribui todo um novo nível de minimalismo à sua estética, Pharrell Williams recruta, desta vez, 21 Savage e Tyler, The Creator para um tema onde o bravado dos dois rappers contracena com a produção colorida do magnata do hip-hop. Entre o refrão agradavelmente repetitivo, os versos repletos de personalidade e um dos videoclipes mais originais do ano, Cash In Cash Out nunca deixa de fascinar, demonstrando que saber fazer muito com tão pouco também é, por si só, uma arte digna de rasgados elogios.
27. Bree Runway – THAT GIRL
Género: Hip House
Data de Lançamento: 29/09/2022
Editora: Universal Music Group; EMI
Já não é de agora que o vanguardismo da PC Music consegue revitalizar algumas das maiores promessas da música pop. Os nomes vão-se somando e a sinergia entre a britânica Bree Runway e o produtor EASYFUN ganha novas dimensões com THAT GIRL. À medida que Runway comprova, com confiança, o seu estatuto de it girl, cada ocorrência de 808s e sintetizadores causa um impacto imediato, quase como se de uma pisada se tratasse, fazendo inclusive lembrar múltiplos bangers futuristas criados pela dupla imparável de Charli XCX e SOPHIE.
26. Joji – Glimpse of Us
Género: Singer-Songwriter
Data de Lançamento: 10/06/2022
Editora: 88rising
Da popularidade no YouTube para a esfera musical, muito mudou na caminhada de George Miller numa mão cheia de anos. Com cada novo álbum, Joji liberta-se um pouco mais do seu casulo e, apesar de SMITHEREENS ter ficado muito aquém do esperado, Glimpse of Us vê Miller a ganhar, finalmente, asas enquanto artista. Numa balada melancólica que deixaria James Blake orgulhoso, Joji procura transportar para o presente pedaços de memórias perdidas, numa tentativa desesperada de voltar a um passado que já não é seu. Com apenas a sua voz quebrada e a delicadeza do piano no horizonte, o verdadeiro tiro certeiro de Glimpse of Us está na forma como, com tão pouco, consegue desencadear um autêntico atropelo de sentimentos.
25. Destroyer – June
Género: New Wave
Data de Lançamento: 09/03/2022
Editora: Bella Union
O canadiano Dan Bejar faz de June uma dançante e ambiciosa odisseia, ciente da vivência regida por pirâmides sociais, riquezas e pelas regras do sistema capitalista e decidido a censurá-la. Começando como um salmo com infusões de disco e new wave, Bejar vai perdendo progressivamente a coerência, completando com um discurso final que raia o absurdo da mundanidade que critica. É, por mera coincidência, o tema central de LABYRINTHITIS e, porventura, da sua última década de carreira, que já não tinha testamentos do mesmo calibre desde Kaputt, em 2011.
24. Viagra Boys – Troglodyte
Género: Post-Punk; Dance Punk
Data de Lançamento: 10/05/2022
Editora: YEAR0001
Em Troglodyte, a banda sueca comandada por Sebastian Murphy vira Devo para fazer pouco de school shooters e apoiantes de extrema-direita. Personificando os seus ideais com uma pitada de sarcasmo, e condenando-os à extinção na era dos primatas, tudo isto se faz sob a forma de uma das canções de post-punk mais palpitantes do ano. Fora uns traços estilísticos partilhados com Girl U Want, a essência dos Viagra Boys permanece idêntica e o caráter humorístico do sexteto, diga-se, está mais forte do que nunca.
23. Björk – Fossora
Género: Art Pop
Data de Lançamento: 27/09/2022
Editora: One Little
Ainda que fique aquém dos seus clássicos, o décimo álbum da islandesa Björk marca mais uma mutação camaleónica na música de uma das artistas mais revolucionárias das últimas décadas. Motivada agora pelos ritmos convulsos do gabber (cortesia da dupla indonésia Gabber Modus Operandi), é precisamente a faixa-título onde esta nova direção criativa causa o maior impacto. No decurso de 4 minutos, Björk cria uma intrigante fusão entre estas bases estilísticas de Fossora, o uso de instrumentos de sopro e a sua incontornável voz, antecipando gradualmente um final impróprio para cardíacos.
22. JID – Surround Sound (feat. 21 Savage & Baby Tate)
Género: Southern Hip-Hop
Data de Lançamento: 14/01/2022
Editora: Dreamville; Interscope
Se é para se reapropriarem do icónico sample de Aretha Franklin (usado em Ms. Fat Booty de Mos Def), então certifiquem-se que o desenlace vai valer a pena. A partir do momento em que os hi-hats e os 808s rompantes entram em cena, JID não só aceita o desafio como faz questão que Surround Sound proporcione um banquete genial de rimas, enigmas líricos e trocadilhos. 21 Savage até lhe rouba brevemente o brilhantismo com um verso opulento em one-liners, mas Surround Sound não seria nunca uma faixa do rapper de Atlanta sem a tradicional beat switch repentina e uma derradeira demonstração do seu talento técnico.
21. Phoebe Bridgers – Sidelines
Género: Singer-Songwriter
Data de Lançamento: 15/04/2022
Editora: Dead Oceans
Escrita para a adaptação televisiva de Conversations With Friends, o conhecido livro de Sally Rooney, Sidelines não é só mais um dos muitos elos de ligação de um estranho multiverso, mas é, além do mais, o primeiro lançamento da norte-americana desde que Punisher repercutiu nas mentes de quem viveu os tormentos da era pandémica. Dois anos passaram desde então e Sidelines reflete bem essa progressão. Com uma produção mais sintetizada, mas igualmente atmosférica, Phoebe Bridgers analisa agora o mundo em seu redor com novos olhos e avança em direção à tempestade. Os medos são outros, as razões para viver também, mas a emoção da sua música continua a ser a mesma.
20. The Smile – Free in the Knowledge
Género: Art Rock
Data de Lançamento: 20/04/2022
Editora: XL
Numa atualidade onde as divisões se sobrepõem às uniões, os The Smile agarram-se a um módico de otimismo para espreitar o reverso da medalha. A política nunca foi um tabu nos trabalhos da banda-mãe de Thom Yorke e Jonny Greenwood, mas onde Free in the Knowledge se distingue dos demais é, para além do seu registo maioritariamente acústico, na ótica que assume. Acompanhado pelos sensacionais arranjos de Nigel Godrich, relembrando frequentemente a atmosfera de A Moon Shaped Pool, observamos o lendário frontman dos Radiohead a juntar-se à luta urgente por um mundo melhor, ao lado de quem mais sofre com os seus problemas.
19. ROSALÍA – SAOKO
Género: Neoperreo
Data de Lançamento: 04/02/2022
Editora: Columbia; Sony Music
A transformação de ROSALÍA no pós-sucesso de EL MAL QUERER já era um dado adquirido nos meses que antecederam o seu arrojado sucessor. Se há algo que MOTOMAMI ensina, é que a espanhola não desperdiça tempo a arrancar os motores. SAOKO abre o apetite para os restantes 15 peões que ROSALÍA está disposta a manobrar, com uma explosão de neoperreo que assentaria que nem uma luva numa realidade cyberpunk. Por entre sintetizadores e pianos distorcidos, interrupções de jazz, homenagens aos pioneiros de outrora (nomeadamente Wisin e Daddy Yankee), ROSALÍA carrega no acelerador, destemidamente, rumo à sua próxima mutação.
18. Kamasi Washington – The Garden Path
Género: Jazz Fusion
Data de Lançamento: 02/02/2022
Editora: Young
Atingindo os picos de luxúria instrumental a que sempre nos acomodou desde o sublime The Epic, em 2015, o norte-americano Kamasi Washington parece estar de volta, e em grande com The Garden Path. Ao longo de quase 7 minutos, o saxofonista nunca se assume como a única fonte de autoridade sónica, vestindo sim a pele de um superintendente que impõe o êxtase como tom dominante. O piano, a percussão e os soberbos solos de Kamasi vão lutando pela nossa atenção, antes de em uníssono, se unirem à volta de um coro de vozes. Isto é mais uma nobre amostra, de como o jazz moderno, está mais promissor do que nunca.
17. Floating Points – Vocoder
Género: Microhouse
Data de Lançamento: 09/03/2022
Editora: Ninja Tune
Depois de ter deslumbrado com Promises (o melhor álbum do ano passado para a CONTRABANDA), ao lado do recém-falecido Pharoah Sanders, Sam Shepard volta a resgatar o seu projeto Floating Points para a sua verdadeira zona de conforto: a música house. Todos os 4 temas lançados por Shepard em 2022 são altamente recomendáveis, mas, entre estes, Vocoder promete continuar a comandar multidões nos seus live sets até ao fim do tempo. Indo em busca de resoluções explosivas, Shepard contorce samples vocais e sintetizadores, enquanto opta por percussões simples e baixos rompantes, capazes de testar qualquer sistema de som até ao limite e de levar qualquer audiência ao rubro.
16. Jockstrap – Concrete Over Water
Género: Art Pop
Data de Lançamento: 11/04/2022
Editora: Rough Trade
Os primeiros instantes de Concrete Over Water, single de apresentação do álbum de estreia dos Jockstrap, são passados ao lado da hipnótica voz de Georgia Ellery, que viaja por torres e cidades, pelos céus noturnos e pelo espaço. À medida que se prepara uma resolução, entram os efeitos erráticos da produção de Taylor Skye, os violinos, os sintetizadores e, de repente, uma onda de som que engole o que antes tinha sido uma faixa praticamente despida de instrumentação. A noção do tempo passa a ser inexistente, a paz transforma-se em agitação e, num abrir e fechar de olhos, a dupla assume o comando de tudo à sua volta, como só os Jockstrap sabem fazer.
15. Jessie Ware – Free Yourself
Género: Disco; Dance Pop
Data de Lançamento: 19/07/2022
Editora: EMI
É mais do que seguro afirmar que What’s Your Pleasure? revitalizou a veia artística de Jessie Ware. É uma absoluta tour de force de êxitos de disco que deu contornos festivos aos cenários pandémicos, em 2020, e que continua a fazer-nos dançar dois anos depois. Free Yourself, o primeiro desvendar de uma nova era, aposta precisamente no que já resultou tão bem anteriormente. Com o selo de Clarence Coffee Jr. e Stuart Price na produção (ambos trabalharam em Future Nostalgia de Dua Lipa, outra das principais bandeiras deste ressurgimento do dance pop), o resultado final é inegavelmente triunfante, com grooves capazes de converter qualquer compartimento numa pista de dança improvisada.
14. Yeah Yeah Yeahs – Spitting Off The Edge Of The World (feat. Perfume Genius)
Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 01/06/2022
Editora: Secretly Canadian
O tema de apresentação do primeiro álbum dos nova-iorquinos Yeah Yeah Yeahs em quase uma década é também o seu foco de destaque. Dividindo o palco com Mike Hadreas, Spitting Off The Edge Of The World tanto mostra a vocalista Karen O a sucumbir à inevitabilidade das crescentes crises mundiais, em mais um notável momento de vulnerabilidade da banda, como a ganhar força e esperança na coragem das gerações que, em tempos, ajudou a formar. A chama dos Yeah Yeah Yeahs pode agora arder em lume brando, mas a sua faceta desafiante continua a iluminar qualquer beco sem saída.
13. Black Thought & Danger Mouse – Strangers (feat. A$AP Rocky & Run the Jewels)
Género: Hardcore Hip-Hop
Data de Lançamento: 09/08/2022
Editora: BMG
Na quarta e última amostra de Cheat Codes antes do seu lançamento, Black Thought recruta A$AP Rocky e Run the Jewels (El-P e Killer Mike) para um fulgurante posse cut que funciona tão bem na teoria, que nem uma utopia de qualquer fã ávido de hip-hop, como na prática. Strangers, acompanhado por um instrumental, simultaneamente turvo e brutal, da autoria de Danger Mouse, eleva constantemente a sua fasquia, numa eletrizante sucessão de versos de cada um dos rappers, evidenciando uma competição acesa entre quatro titãs que nunca param de impressionar.
12. Alex G – Runner
Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 21/06/2022
Editora: Domino
Entre bandas sonoras e uma estreia ao vivo em Portugal, Alex G selou o ano com chave de ouro com God Save the Animals, um novo disco que injeta uma dose de otimismo e esperança nas suas letras – algo atípico nos seus trabalhos anteriores. Runner é, para além do seu melhor feito, uma pseudo-serenata que vê ternura nos passageiros da terra. E, mesmo nos seus temas menos lo-fi e mais diretos, reserva espaço para o mistério. Quem é, afinal, o corredor? Um atleta, um cão, um traficante? Um discípulo divino, talvez? As conotações religiosas são uma constante na sua música, afinal. Quem quer que seja, Alex G observa-o como um objeto de admiração e alguém por quem vale a pena torcer.
11. Steve Lacy – Bad Habit
Género: Neo-Soul; Bedroom Pop
Data de Lançamento: 29/06/2022
Editora: RCA
A ascensão de Steve Lacy ao estrelato foi uma das histórias de sucesso mais merecidas e imprevisíveis de 2022, e no centro de todo o fenómeno está Bad Habit. Como tema maior de Gemini Rights, reúne e aperfeiçoa tudo o que já tinha provado ser anteriormente: um talento em várias frentes. Manobrando entre a esperança e o arrependimento, o neo-soul que caracteriza este seu mais recente disco e o bedroom pop que o catapultou no início da carreira, Lacy manobra os seus próprios lamentos amorosos, cria textura atrás de textura ao longo de duas brilhantes secções e, como verdadeira cereja no topo do bolo, dá tudo num refrão que provou ser suficientemente contagiante para conquistar as massas.
10. Ethel Cain – American Teenager
Género: Pop Rock
Data de Lançamento: 21/04/2022
Editora: Daughters of Cain
Num álbum dominado pelas trevas, American Teenager distancia-se das restantes faixas de Preacher’s Daughter e, ainda que só por uns breves instantes, surge como uma luz ao fundo do túnel no meio de uma narrativa inescapavelmente trágica. Não demoramos muito a perceber que essa esperança é, tanto para Ethel Cain como para toda uma geração, efémera, ao passo que desvenda as suas frustrações com a religião e com as falácias do sonho americano. Fora do contexto do disco, preenche todos os requisitos de uma faixa triunfantemente pop – ao estilo de Springsteen – e altamente libertadora, que não tem medo de assumir perante todos as suas ambições pop. E quando novamente enquadrada nos traumáticos sermões de Ethel Cain, American Teenager ganha todo um novo brilho.
09. The Weeknd – Sacrifice
Género: Dance Pop; Synth Pop
Data de Lançamento: 07/01/2022
Editora: XO; Republic
Com Max Martin e Swedish House Mafia no comando, o canadiano The Weeknd volta a encher o seu purgatório de canções irresistíveis, até para o mais comum dos mortais. Tal como as faixas mais memoráveis de Dawn FM, Sacrifice está recheado de passagens que irradiam groove, com Abel Tesfaye a voltar a puxar dos sons do passado para cimentar refrões e melodias para a eternidade, calçando as botas de um Michael Jackson para o presente século. Entre a sua produção exuberante, interpolações de Alicia Myers e um eletrizante loop de guitarra, Sacrifice é mais um caso sério de música pop absolutamente essencial, vinda de uma das figuras mais emblemáticas da atualidade.
08. King Gizzard & The Lizard Wizard – The Dripping Tap
Género: Psychedelic Rock
Data de Lançamento: 09/03/2022
Editora: KGLW
Uma década e 23 álbuns depois, a versatilidade e ambição de um dos grupos mais prolíficos de que há memória é uma proeza para estudar num futuro em que os King Gizzard & The Lizard Wizard já não estejam no ativo (ou não repitam os sucessivos banquetes de invenções com que nos têm presenteado). Na faixa de abertura do disco que inaugurou mais um preenchido calendário de lançamentos, os australianos despertam Omnium Gatherum com uma imponente jam session de nada mais, nada menos do que 18 minutos de duração. Desengane-se quem aguarda uma excursão entediante, porque The Dripping Tap catapulta-nos para uma montanha-russa de absoluto êxtase, que reaviva as texturas das primeiras pegadas da banda (lembremo-nos de I’m In Your Mind Fuzz), retendo os seus cumes de tecnicalidade e alento até não poder mais.
07. Denzel Curry – Walkin
Género: Conscious Hip-Hop
Data de Lançamento: 24/01/2022
Editora: Loma Vista
Para a primeira amostra de Melt My Eyez, See Your Future, Denzel Curry transforma-se em Akira Kurosawa e leva-nos numa viagem feita em dois atos, com laivos cinemáticos. O despejo anteriormente anunciado do registo mais agressivo de TA13OO e de Imperial não obrigou a uma substituição forçada desse vigor, em prol do tom meditativo que pinta este último disco. A metade inicial de Walkin, dominada por um luxuoso boom bap com algumas simetrias aos chops de Madlib, serve até de base para o que se segue. À medida que Denzel liquida os seus demónios, o sample sofre uma mutação, o beat altera-se por completo e o rapper liga o modo metralhadora para um final incendiário de uma absoluta masterclass de versatilidade e destreza.
06. Big Thief – Simulation Swarm
Género: Folk Rock
Data de Lançamento: 19/01/2022
Editora: 4AD
O processo de tentar, sequer, enfatizar um dos inúmeros temas de Dragon New Warm Mountain I Believe In You diz muito mais sobre os Big Thief do que sobre quem se deixa sucumbir por este dilema permanente. Já lá vão 10 meses desde o seu lançamento, o fascínio mantém-se e, ainda assim, Simulation Swarm cimenta-se, dia após dia, como uma das obras basilares do quarteto daqui em diante. Guiados pela translucidez e o magnetismo dos restantes instrumentos, seguimos as narrações de Adrianne Lenker como um sonho perdido, impenetrável. Só nos são dados fragmentos do retrato, mas sentimos os seus efeitos à flor da pele. Passa por aí parte do ingrediente secreto dos Big Thief: as emoções nem sempre se vivem, sentem-se.
05. Caroline Polachek – Billions
Género: Art Pop
Data de Lançamento: 09/02/2022
Editora: Perpetual Novice
As repercussões deixadas pelo seu magnífico álbum de estreia, Pang, ainda hoje assombram o caminho de Caroline Polachek. Contudo, as estrelas vão-se alinhando para que o seu sucessor, Desire, I Want To Turn Into You, seja marcado por voos ainda mais altos. Billions, co-produzida por Danny L Harle, certamente atinge dimensões surreais, bem díspares das de Bunny Is A Rider ou de Sunset, com Polachek a agarrar-se às exuberâncias e oposições da paixão. O marinheiro que ama como um pintor, os sonetos que se convertem em sexting. Num balanço entre ângulos e contradições, Polachek sobe e desce oitavas, repete mantras e desejos, até finalmente alcançar a abundância. Nada mais alegórico, aliás, do que um coro angélico que se arrasta infinitamente no último minuto de Billions, quase como se Polachek também nos guiasse para junto dos portões do paraíso.
04. black midi – Sugar/Tzu
Género: Avant-Prog
Data de Lançamento: 29/06/2022
Editora: Rough Trade
O que seria dos britânicos black midi sem o caos? É difícil de idealizar como é que Sugar/Tzu – e, convenhamos, a totalidade de Hellfire – viveria se desprendida da sua insanidade. À medida que Geordie Greep monta a conjuntura para uma luta de boxe, num futuro longínquo, com desfechos fatídicos, o baterista Morgan Simpson e o saxofonista Kaidi Akinnibi iniciam um combate entusiástico de virtuosidade e frenetismo. Conforme se adivinha um homicídio a sangue frio, Sugar/Tzu carrega destemidamente no acelerador. A volatilidade indescritível da instrumentação vai espelhando o desenrolar da tragédia. A respiração fica contida, a ansiedade vai escalando, sem fim à vista. Nunca a ansiedade soou tão estimulante.
03. Kendrick Lamar – The Heart Part 5
Género: Conscious Hip Hop; Jazz Rap
Data de Lançamento: 08/05/2022
Editora: Aftermath; Interscope; Top Dawg; pgLang
“I am. All of us.”. O mote que encabeça o esplêndido videoclipe de The Heart Part 5 – um elemento quase indiferenciável do próprio tema – abrange, ao mesmo tempo, tudo aquilo que Kendrick Lamar encarna. Tem, neste caso, uma interpretação quase literal, com a cara do rapper a transfigurar-se conforme vai “vestindo a pele” de celebridades representativas da cultura negra e apontando, durante cinco minutos e meio de versos fulgurantes, as perversões e toxicidades do universo da fama, os problemas enraizados na comunidade e as tragédias que se sucedem. É uma pujante análise à “cultura” vinda de um dos seus principais símbolos, bem como um comovente tributo a todas as suas facetas e imperfeições, da autoria de alguém que, como Mr. Morale & the Big Steppers nos mostrou, também procura um indulto.
02. Alvvays – After the Earthquake
Género: Jangle Pop
Data de Lançamento: 05/10/2022
Editora: Transgressive; Polyvinyl
No quinto e último single de Blue Rev, o abalo é iminente. Não da mesma natureza dos choques sentidos nos contos de Haruki Murakami que conduziram à criação de After the Earthquake. A catástrofe é, desta vez, gerada por uma relação em erosão. O quinteto canadiano transporta-nos para os instantes anteriores a um acidente de carro, à boleia de riffs de guitarra ao estilo de REM ou The Smiths. Sem aviso prévio, o ritmo abranda repentinamente após o segundo refrão. Molly Rankin, com os olhos postos no precipício, desencadeia um momento sincero de intimidade antes de uma nova subida da magnitude. Com a colisão inevitável, regressamos novamente ao núcleo de After the Earthquake, para uma derradeira dose de dinamite musical que não perdoa os sobreviventes.
01. Weyes Blood – God Turn Me Into a Flower
Género: Ambient Pop; New Age
Data de Lançamento: 18/11/2022
Editora: Sub Pop
As melhores canções de Weyes Blood funcionam, muitas vezes, como dádivas divinas. Antes de florescerem em peças grandiosas de proporções épicas, cheias de instrumentação etérea e de deslumbrantes melodias vocais, são movidas pelos sentimentos mais intrínsecos à natureza humana, como baladas calmantes que conseguem comover o mais comum dos mortais. Voltando-se para o mito de Narciso em busca de inspiração, God Turn Me Into a Flower funciona quase como um sucessor espiritual de Movies, saído de Titanic Rising, o brilhante antecessor de And in the Darkness, Hearts Aglow. Enquanto Natalie Mering, inicialmente rodeada pelo eco da sua própria voz, transforma um conto antigo de moralidade num lamento em tempos incertos, a faixa revela lentamente a sua forma final. Ouvem-se pássaros à distância, sintetizadores hipnóticos (pela mão de Daniel Lopatin) entram em cena e a voz de Mering leva-nos em direção a um final fervilhante, deixando-nos com uma réstia de otimismo e um turbilhão de emoções.