Os Destaques de Junho 2022
Angel Olsen, Tim Bernardes, Perfume Genius e Soccer Mommy são os lançamentos em destaque do mês de junho para o nosso melómano e crítico musical, Rui Cunha.
Angel Olsen – Big Time
Género: Americana; Alt-Country
Data de Lançamento: 03/06/2022
Ao fim de dois anos, a norte-americana Angel Olsen está de volta aos álbuns de estúdio com Big Time. Contudo, este comum intervalo entre longas-durações, foi tudo menos sereno. Quer se fale do lançamento do esboço mais acústico e despido do monumental All Mirrors ou de Like I Used To, o esplêndido dueto com Sharon Van Etten que esperemos que não seja só um one-off single, não faltou conteúdo para quem o procurou. No entanto, este interregno ficou marcado por outros marcos na vida de Angel Olsen, além dos palcos e dos holofotes. 2021 foi o ano em que assumiu publicamente a sua homossexualidade e deu a conhecer Adele Thibodeaux, a sua namorada. Infelizmente, este evento libertador contrastou com a súbita morte de ambos os pais, com alguns meses de distância. Muito mudou para Angel Olsen num par de anos e Big Time reflete, certamente, esta transição agridoce.
Olsen oscila entre o luto e o romance, velhas perdas e novas descobertas com a mesma comoção que nos tem vindo a habituar. Ainda assim, já há muito tempo que não se ouvia um trabalho da artista tão despido de instrumentação. Não é que Big Time não tenha os seus momentos mais embelezados, mas levam o seu tempo a surgir. São normalmente utilizados para rematar o crescendo de emoções em vários temas, como em Right Now, e não para mergulhar a sua voz num envolto de orquestração. Para lá chegar, há que absorver a impecável escrita de Angel Olsen e a carga que esta carrega. É de esperar que, com uma narrativa tão pessoal e reflexiva, o foco seja este.
O disco aposta, mais do que nunca, nas sonoridades de country e americana que já apareciam nas entrelinhas de No Way Home, o seu álbum de estreia. E, verdade seja dita, este estilo assenta-lhe que nem uma luva. All The Good Times e a title track, que dão início ao álbum, marcam logo o passo: este é um regresso às origens artísticas de Olsen com os seus dotes aprimorados e os benefícios de quem já viveu muitas metamorfoses artísticas desde então. Big Time é maioritariamente dominado por baladas, o que se pode tornar num sufoco para quem busca alguma variedade por entre as suas 10 faixas. No entanto, quando estes temas são bem executados, dão logo nas vistas pelos melhores motivos. É o caso dos últimos dois temas do álbum, Through The Fires e Chasing The Sun, com ambos a partilhar uma estética quase cinematográfica.
Com Big Time, surge mais uma mudança na carreira de Angel Olsen. Do dream pop caleidoscópio de All Mirrors passamos para um trabalho que evoca outras andanças da sua discografia, nomeadamente as suas raízes de country. O seu sexto disco é, por vezes, demasiado sereno e unidimensional, mas os seus manifestos sinceros consolidam, mais uma vez, a norte-americana como uma das letristas mais tocantes da atualidade.
Tim Bernardes – MIL COISAS INVISÍVEIS
Género: MPB; Chamber Pop
Data de Lançamento: 14/06/2022
“Mostrar o Brasil pro mundo ou o mundo pro Brasil?”, pergunta Tim Bernardes, com um tom algo retórico, a meio de Meus 26, o belíssimo tema saído do seu segundo e mais recente longa-duração, MIL COISAS INVISÍVEIS. A sua música, quer a solo quer ao lado de Guilherme D’Almeida e Gabriel Basile nos O Terno, têm levado o cantautor paulista a conquistar e quebrar muitos corações além fronteiras. Recomeçar, o seu álbum de estreia lançado em 2017, foi mais do que suficiente para o afirmar como um dos maiores talentos saídos do Brasil na última década. Mas esta relação entre o seu país-natal e a sua exposição internacional espelha-se melhor na forma como combina as paletes de MPB clássicas, dos anos 60 e 70, com as de certas bandas do indie folk. E, até ao momento, se há um trabalho de Tim Bernardes que assume todas estas inspirações e aspirações, é, sem dúvida, MIL COISAS INVISÍVEIS.
Gal Costa, Caetano Veloso ou Os Mutantes coabitam com Grizzly Bear e alguma “beatlemania” na mente criativa de Tim, mas nunca se sobrepõem às particularidades da sua arte. Sim, algumas associações são mais literais. Realmente Lindo, por exemplo, é uma cover de uma canção recente de Gal, que até aperfeiçoa as suas bases e justifica por completo a sua inclusão no disco. Outras servem como pontos de referência. A produção ornamentada de MIL COISAS INVISÍVEIS tem alguns traços semelhantes ao chamber pop de um álbum como Yellow House ou do catálogo dos Fleet Foxes. Neste último caso, para além de sempre terem sido uma enorme fonte de inspiração desde o começo da sua carreira, são seus companheiros de estrada na atual digressão norte-americana de Shore, o último álbum do grupo liderado por Robin Pecknold, que também contou com a cândida voz de Tim Bernardes.
No que toca à instrumentação de MIL COISAS INVISÍVEIS, os méritos vão, em grande parte, para o artista brasileiro. Os mistos de pianos, guitarras e percussão, maioritariamente tocadas pelo próprio, com um tom mais orquestral, evocam uma grandiosidade tão palpável como a maturidade das suas letras – um bocado à semelhança daquilo que já tinha acontecido em certos instantes de <atrás/além>. Também aqui há um amadurecimento em relação a esse álbum dos O Terno e a Recomeçar. Fala-se dos ciclos da vida em Fases e Nascer, Viver, Morrer (um dos singles do disco) e também não faltam as habituais histórias de amores perdidos e reencontrados, agora mais realistas, talvez. Neste departamento, BB (Garupa de Moto Amarela), Velha Amiga e Última Vez são algumas das suas melhores canções até agora.
MIL COISAS INVISÍVEIS mostra um Tim Bernardes mais confortável com as suas influências, mas igualmente confiante nas suas próprias artimanhas. A aura de intimidade de Recomeçar passeia de mão dada com os majestosos arranjos deste seu segundo álbum, que recordam grandes nomes da golden era da MPB e de um ramo mais corrente do indie. Quer se apresente num registo mais simplista ou noutro mais ostensivo, as baladas de Tim Bernardes nunca perdem a sua magia.
Perfume Genius – Ugly Season
Género: Art Pop
Data de Lançamento: 17/06/2022
Mike Hadreas sempre levou a sua arte aos limites. Há cerca de uma década, seria difícil de imaginar a progressão que o artista, melhor conhecido como Perfume Genius, iria assumir daí para a frente. Sem esquecer os seus trabalhos mais subtis como Put Your Back N 2 It, os seus últimos dois álbuns, No Shape e Set My Heart on Fire Immediately, são quase como o culminar das suas ambições. Também ajuda, claro está, que sejam alguns dos discos de art pop mais etéreos dos últimos tempos. Ainda antes do lançamento do seu quinto álbum, Mike Hadreas trabalhava arduamente num acompanhamento musical para a peça The Sun Still Burns Here da coreógrafa Kate Wallich. Estas novas ideias acabaram por se tornar na génese de Ugly Season, o seu mais recente disco.
Em comparação com Set My Heart on Fire Immediately, Ugly Season vê Mike Hadreas no seu estado mais abstrato, funcionando quase como uma peça conjunta. Não havendo nenhuma forma adequada de digerir Ugly Season, é preferível deixar-se levar pelo cativante leque de paletes sónicas, tensões crescentes e mudanças repentinas. Nem mesmo Pop Song, que é de longe a faixa mais facilmente digestível deste seu sexto longa-duração, partilha do mesmo grau de linearidade que On the Floor, Whole Life ou Describe. Esta transição de Perfume Genius faz lembrar, inclusive, o mesmo processo que a música da norte-americana Julia Holter (outra magnata do art pop contemporâneo) sofreu entre Have You in My Wilderness e Aviary. Ambos seguiram rumos mais metafísicos para os seus respetivos sucessores, sem deixar cair a instrumentação quase homérica e a escrita repleta de teatralidade.
Herem, um dos temas mais deslumbrantes do álbum, cede o palco principal à delicada voz de Hadreas, que conjuga com arranjos minimalistas, antes de culminar numa secção de drum loops. Como o próprio confessa no início da faixa, Ugly Season assemelha-se muito a um sonho perdido – a capa do disco também reflete isso mesmo. Pelo meio, são incluídas duas faixas instrumentais igualmente hipnotizantes (Scherzo e Cenote), com a última destas duas a apaziguar as almas, após as turbulências psicadélicas de Hellbent. Por outro lado, Eye in the Wall, que já data de 2019, é simultaneamente épica e sedutora – e, tendo em conta a extensa duração da faixa, é notável como não perde o seu charme.
Quem encontrou na divina simplicidade de No Shape ou Set My Heart on Fire Immediately um porto de conforto, poderá ouvir o sexto álbum de Perfume Genius e sentir-se imediatamente desconectado. No entanto, aquilo que Ugly Season abdica em acessibilidade, compensa em surrealismo e extravagância. Para quem ainda achasse que a sua criatividade podia ser delineada, Ugly Season ensina-nos que, da mente inovadora de Mike Hadreas, o melhor é mesmo esperar o inesperado.
Soccer Mommy – Sometimes, Forever
Género: Indie Rock
Data de Lançamento: 24/06/2022
Sophie Allison e Daniel Lopatin são músicos altamente respeitados nos seus campos musicais. Sophie, mais conhecida como Soccer Mommy, já tem em seu nome álbuns como Clean e color theory, que, por muito que sejam algo convencionais quando postos ao lado de outros trabalhos de indie rock mais destacáveis dos últimos 5 anos, apresentam imenso potencial ainda por explorar. Por outro lado, o artista por detrás do projeto Oneohtrix Point Never tem-se envolvido na produção de outros álbuns que não os seus – os últimos discos de The Weeknd e Charli XCX são dois desses casos. Quando o terceiro longa-duração de Soccer Mommy foi anunciado como sendo um trabalho inteiramente produzido por Lopatin, é natural que se pergunte: o que é que estes dois talentos têm em comum? Diga-se que o resultado final desta colaboração improvável é, no mínimo, surpreendente.
As sonoridades de Sometimes, Forever não são radicalmente diferentes daquelas mostradas em color theory. O indie rock e o grunge continuam a ser a praia de Sophie Allison, sem grandes surpresas. No entanto, este seu terceiro disco é bem mais processado, denso, com novos e intrigantes sons a surgirem por entre a voz terna de Soccer Mommy. A forma meticulosa e fascinante como Lopatin consegue curar as ondas de som ao seu redor não é nenhuma novidade para quem conhece o seu vasto currículo. Contudo, o facto da produção de OPN conjugar elegantemente com o input de Sophie é um trunfo inesperado.
Não é preciso ir muito mais longe do que a esotérica Unholy Affliction, que, em termos instrumentais, é uma absoluta anomalia no meio da discografia de Soccer Mommy, para ver a química do duo a florescer. Vem, em parte, do mesmo plano de trip hop dos Portishead, mas com um toque único que já há muito marca os lançamentos da artista. newdemo, embora menos bem conseguida, e With U são dois outros casos que demonstram bem como o produtor traz um ângulo mais sintético e eletrónico a um estilo que tanto beneficia com estes experimentalismos. Mesmo alguns temas menos arrojados e com mais pop appeal, como Bones ou Following Eyes, posicionam-se com facilidade como algumas das composições mais enternecedoras de Sophie até ao momento.
Com o toque singular de Daniel Lopatin na produção, Sophie Allison finalmente encontrou o seu próprio rumo com Sometimes, Forever. Para além de estar recheado de diversidade, o seu terceiro álbum é uma autêntica lufada de ar fresco, tanto na sua discografia como na esfera atual do indie rock.