Primavera Sound Porto 2024 (2º Dia): A enchente de Lana Del Rey, a coroação de The Last Dinner Party e um dia repleto de contratempos

O baile errático dos MAQUINA.

Em pouco mais de um ano e meio, os MAQUINA. passaram de promessa a um dos fenómenos nacionais mais interessantes dos últimos tempos (e com protagonismo além-fronteiras). O lançamento de dois discos, Dirty Tracks For Clubbing e o mais recente PRATA. (editado em abril passado, já sobre a alçada de uma nova editora, a Fuzz Club Records) e um vasto calendário de atuações pela Europa fora – a passagem pela última edição do Vodafone Paredes de Coura, nomeadamente, roubou o protagonismo a alguns dos nomes mais sonantes – foram fortes indicadores desta catapulta afirmativa, mas não faltam argumentos para sustentar este entusiasmo generalizado. Independentemente do registo, nunca falham em retirar dos “confins estilísticos do krautrock“ um jeito próprio, atingindo, pelo caminho, “uma combustão irresistível de texturas ríspidas que encontram um porto seguro na ânsia rítmica e comunitária das pistas de dança”. Em mais uma abertura de portas com a música portuguesa relegada aos palcos secundários, nada fez parar o poderio eletrizante da música dos MAQUINA., com muita dança e suor à mistura, numa festa que nunca hesitou em “cruzar a linha entre o convite e a ameaça”.

Fotografias da Autoria de Bruno Ferreira @ DIREITOS RESERVADOS

Com Halison Peres no microfone e bateria, João nas guitarras e Tomás Brito no baixo, o baile vigoroso e suado dos MAQUINA. rapidamente se tornou num ato diligente de resiliência por parte de todos os envolvidos, com o dilúvio que se fez sentir durante vários minutos a não conseguir fazer frente à energia penetrante do trio lisboeta. Por entre os motoriks agradavelmente orgulhosos do seu tom repetitivo ou a distorção cortante que amplifica os crescendos vulcânicos de cada tema, muitos iam festejando ao seu lado com uma descontração mais do que visível numa atuação atípica, com horário diurno e sonoridades noturnas (e perante todas as adversidades enfrentadas), que reforça o estatuto dos MAQUINA. como um dos verdadeiros atos imperdíveis do momento.

A coroação teatral das The Last Dinner Party

Depois de uma das ascensões mais repentinas da presente década, as The Last Dinner Party têm procurado materializar todo o entusiasmo que se gerou em seu redor, ainda antes de terem qualquer tema editado. Somando ao currículo uma abertura para os The Rolling Stones, contratos com grandes editoras e múltiplos espetáculos esgotados de ambos os lados do Atlântico num prefácio marcante da viralidade dos singles inaugurais, foram vários os seus efeitos colaterais, muito para além da discussão redundante (e com alguma misoginia internalizada) da colagem da quinteto londrino ao termo industry plant. A verdade, porventura, é que, como trabalho inaugural, Prelude to Ecstasy conseguiu fazer jus a todo e qualquer burburinho. “A grandiosidade orquestral, a estética renascentista, os embelezamentos poéticos com substância suficiente para ganhar lugar num post do Tumblr ou as tendências glam rock e art pop que evocam a mesma sonoridade operática encontrada em qualquer um dos grandes álbuns de Kate Bush ou Florence + The Machine” vêm-se mascaradas por uma representação ostensiva de proclamação e subversão feminina “carregada pelos prazeres da devoção e as angústias da contemporaneidade”.

Fotografias da Autoria de Bruno Ferreira @ DIREITOS RESERVADOS

Ainda que fazendo uso da antecipação generalizada para o principal nome da noite (“somos o vosso entretenimento antes de chegar a Lana”), a carga triunfante que imprimem em cada performance, cruzando a fé, o catolicismo, o desejo carnal e a vulnerabilidade numa só ótica, fez da estreia de Abigail Morris e companhia em Portugal uma afirmação contundente de toda a arqueologia das The Last Dinner Party, não deixando ninguém indiferente com hinos maximalistas para plateias sem fim à vista. Morris, nomeadamente, entrega os refrões incontornáveis de The Feminine Urge e Caesar on a TV Screen, a par dos crescendos vulcânicos de Sinner, com um carisma extasiante, saltitando graciosamente de uma ponta à outra do Palco Porto e vestindo na pele a ambivalência emocional de quem é capaz de encantar qualquer um ou, se tal for necessário, dar origem a uma espiral vingativa. É algo intrínseco ao impacto dos temas fortes de Prelude to Ecstasy, parece ganhar ainda mais dignidade nos dois temas por agora inéditos no repertório do quinteto, Second Best e Godzilla. Mais do uma prenda justíssima pela tremenda receção que conseguiram provocar, vão plantando a semente para a restante viagem litúrgica das The Last Dinner Party, ainda com muito potencial por explorar. E a julgar pela derradeira onda humana à sua mercê (“um dos melhores públicos” da banda, confessam) que quis cantar e acenar a seu lado o êxito que as projetou rumo ao estrelato, Nothing Matters, selou-se assim a coroação de um grupo que, ainda a dar os primeiros passos, já “comanda a atenção de quem as escuta sem nunca ter medo de ser condescendente“.

A presença milagrosa de Lana Del Rey capaz de quebrar recordes (e salvar festivais)

Ao analisar os nomes que encabeçam este segundo dia do Primavera Sound Porto, o destaque principal torna-se indiscutível. Lana Del Rey é uma artista que, inegavelmente, move multidões e assinalou os últimos quinze anos de cultura pop, um verdadeiro fenómeno geracional que levou o seu tempo a obter o respeito do mainstream. As controvérsias associadas ao início da sua carreira, que colavam quer a música como a sua persona a uma ideia de falta de autenticidade ou cunho pessoal, parecem profundamente inúteis aos olhos de hoje, ainda que sejam duas realidades praticamente inseparáveis e que atiram, em muitas ocasiões, para segundo plano a Lizzy Grant por detrás de Lana Del Rey. Nessa ótica, Did you know that there’s a tunnel under Ocean Blvd trouxe, quatro anos depois do deslumbrante Norman Fucking Rockwell! ter marcado um shift evidente na sua perceção mediática, o “longo e contemplativo enquadramento do seu mundo interior” que há muito se espreitava nas entrelinhas, “seguido pelo seu olhar profundamente poético e dissecado em reflexões igualmente profundas (e frequentemente deambulatórias) sobre si mesma”. Nos doze anos desde que se deu a conhecer com Born to Die, a dificuldade em transpor a sua música para um registo ao vivo continua a ser uma constante em cada digressão, denegrindo, graças a uma vasta lista de problemáticas, a ilusão da presença divinal que possui dentro e fora do seu universo artístico. No seu regresso pacientemente aguardado há meia década a Portugal, de que modo não se repetiriam os mesmos hábitos eternos? E seria este segundo dia de programação capaz de desvendar um remédio milagroso de última hora, após ver o seu segundo maior palco interditado devido a problemas técnicos, o cancelamento do segundo cabeça-de-cartaz da noite, as constantes ameaças meteorológicas e, consequentemente, uma onda compreensível de descontentamento? A resposta, contudo, chegou que nem uma dádiva apaziguadora. 

Fotografias da Autoria de Hugo Lima @ DIREITOS RESERVADOS

Mal Lana Del Rey entra em cena dez minutos depois do previsto (um atraso inevitável, mas menor do que o ocorrido em Barcelona, na semana anterior), tem à sua espera a maior enchente da história do festival: cerca de 40 mil pessoas, a larga maioria delas com um único objetivo em mente e, diga-se, com a lição mais do que preparada. Nas emblemáticas Summertime Sadness e Chemtrails Over The Country Club, as letras gritadas a plenos pulmões – entrando, por vezes, em conflito direto com a própria natureza contida das canções – só reforçaram o surpreendente pico de forma apresentado ao longo de uma hora e meia, e com a majestosa produção de larga escala a saber favorecer a sua aura mística – ninguém veste melhor o glamour ostensivo e elegante da era dourada de Hollywood do que ela. Em Ride e Young and Beautiful (com um carismático culminar em toques de jazz), ninguém escapa à comoção, perante o fascinante legado da artista, o significado do momento em si e a oportunidade de partilhar o mesmo solo com uma das figuras mais intrigantes da atualidade. Durante Born to Die, chegou a descer ao fosso das filas da frente, onde uma pessoa conseguiu saltar a vedação e ir ao seu encontro, mas sem arruinar a tradicional oferenda de selfies, flores e autógrafos.

Existem, ainda assim, algumas quebras de ritmo que pontuaram o seu brilhantismo, diminuindo ligeiramente o impacto de um alinhamento que soube resumir com sucesso os inúmeros apogeus do seu catálogo. Nas passagens gospel em The Grants e na faixa-título do seu mais recente disco, Lana cede os holofotes ao coro de apoio, com um empenho absolutamente deslumbrante, e desaparece por entre o seu poderio vocal. O mesmo acontece em Hope is a dangerous thing for a woman like me to have – but I have it, com um holograma a substituí-la em palco, e em Bartender, onde comanda timidamente a balada sentada numa pequena secretária, cabendo às suas dançarinas não quebrar a ilusão cinematográfica de um cabaret completamente díspar ao apresentado por Mitski na noite anterior. A artista, para lá do seu estatuto de superestrela atualmente idolatrada por todos, sempre pareceu destinada a ambientes mais intimistas e menos restringidos pela fragilidade e exposição que advêm da fama, mas, novamente elevada ao contexto dos grandes palcos e plateias na sua primeira passagem pelo Porto, Lana Del Rey conseguiu o pleno: uma exibição de sonho que deu aos fãs mais devotos a noite das suas vidas e retirou, por momentos, o festival de uma sequência amaldiçoada de adversidades.

No terceiro e último dia do Primavera Sound Porto 2024 (8 de junho), atuaram os cabeças-de-cartaz Pulp e The National, ao lado de artistas como Arca, billy woods, Mannequin Pussy, Joanna Sternberg, Mandy, Indiana ou os portugueses Conjunto Corona e Expresso Transatlântico. Segue toda a cobertura da 11ª edição do festival no nosso website e nas redes sociais da CONTRABANDA.

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