A Fúria Poética Que Abalou O Musicbox
Querido Diário,
está oficialmente aberta a “indoor venue season” e embora os dias se tornem mais cinzentos, o meu ser irradia dias após dia com este pequeno grande detalhe. Há algo de especial em assistir a um concerto numa sala pequena, especialmente depois da euforia dos grandes festivais. É como se, ao sair do palco imenso e das multidões sem fim, a música se tornasse mais íntima, mais próxima. O som, que antes ecoava para milhares, agora preenche um espaço menor, quase pessoal, envolvendo cada espetador numa experiência única. É neste ambiente, onde a distância entre o artista e o público quase desaparece, que a verdadeira magia acontece: as notas ganham outra profundidade, os olhares são trocados e os momentos, por breves que sejam, tornam-se inesquecíveis.
Também está oficialmente aberta a season dos concertos durante a semana e das poucas horas dormidas entre a correria citadina/precária em que vivemos e o que amamos. É duro, mas bonito, quem corre por gosto não cansa, como me ensina o meu avô, sempre que lhe conto as minhas andanças mundanas. Adiante, confesso que não esperava antecipar a minha volta a esta sala até quinta feira para ver os meus (mais recentes) queridos Them Flying Monkeys juntamente com o tão aguardado debut dos Bad Tomato mas a vida assim o quis e lá voltei eu ao Musicbox, mais cedo do que esperava. Na realidade, a intenção era ir até Guimarães, ao tão aclamado Sonus Art, assim como “ não há duas sem três”, até estava a gostar da “brincadeira” do meu terceiro artigo ser sobre um terceiro festival, desta vez indoor, como tanto gosto. Imaginem ansiar pelo dia, desde o momento em que foi anunciado e ficar doente. – Chato! Claro que incapacitou a viagem rumo a Norte. O FOMO é mesmo uma coisa real! Mas o pior foi não ter partilhado o momento com o Sérgio Monteiro (loudframes). Felizmente esteve presente e representou-nos aos dois, e de que forma! Já viram as chapas? Se não viram, deviam! Obviamente que após os relatos do meu compincha, não poderia perder o concerto dos Maruja mesmo que a uma segunda-feira, tendo eu que acordar quase de madrugada no dia seguinte.
Agora que já sabem o porquê de ter “optado” pela capital neste leque de concertos, com datas em destaque lá para cima. Vamos ao que interessa: os concertos, a atmosfera, a vibe, a sonoridade e a grandiosidade deste momento, completamente esgotadíssimo, entre os arcos da rua cor de rosa.
Os Divã abriram as odes, não conhecia e pelos vistos, o quinteto também não se conhecia até partilharem aprendizagem ali para os lados da Amadora. O que é que o Porto e a Margem Sul têm em comum ? A genuinidade! Genuinidade essa, difícil de se encontrar de uma forma tão pura como os Divã nos apresentam. Não fazem mais do que aquilo que querem, sentem e podem. Podem tudo!
O meu fascínio por conhecer bandas novas já não é novidade para ninguém, e por vezes até me posso perder pelo meu entusiasmo. Mas a sério, há uma coisa muito tuga neste tipo de musicalidade, onde a fronteira entre a canção e a poesia se esbate o que nos leva a um território em que as palavras são quase declamadas, mais do que cantadas. Aqui, a melodia não embala — rasga. A poesia transforma-se em grito, em manifesto, onde a voz rasgada atira verdades nuas e cruas diretamente ao peito de quem ouve. É uma espécie de desabafo furioso, onde a suavidade das palavras dá lugar a um ritmo visceral, e uma raiva poética que faz o coração acelerar e os punhos se erguerem. O resultado é uma espécie de hino à inquietude, é resistência! A meu ver, leva-os a um nível que poucos são capazes de alcançar. Com toda a certeza saíram de lá com uma base de fãs maior do que entraram! – O saxofone também tem lugar em palco, escusado será dizer que tocou aqui no meu tendão de Aquiles.
Por falar em nele, lembram-se da última confissão que fiz por aqui, ter mencionado a falta que me fez na última vez que vi Maruja? Pois bem, desta vez o destino pregou-me uma partida das boas e se há uns dias me perguntavam, qual foi o melhor concerto do ano, nesta reta final do mesmo, posso dizer-vos que vai ser mesmo muito difícil superar este! E se estava meio que triste por não os ver a Norte, passou rápido quando os vi a Sul.
Maruja é uma banda que transcende géneros musicais, mistura o punk cru, o noise, o post-punk aliado ao jazz cósmico, o que cria uma experiência sonora que vai muito além da música convencional. Levita-nos para um ritual interno, onde a energia e o caos se fundem em algo eletrizante e desafiador. Há uma ferocidade poética nas suas composições, cada nota parece carregar histórias de resistência e ruptura, refletindo nas letras como gritos por mudança. Isso é evidente em faixas como Kakistocracy e Resisting Resistance, que ecoam essa força crua e emocional. – que cartada de génio por parte da Crowdmusic a junção destas duas bandas!
Choradeiras à parte, ver Maruja ao vivo é muito mais do que ir a um concerto — é uma experiência sensorial (e bastante emocional, sim!). O som ganha vida própria, envolvendo o público em camadas de intensidade e profundidade subjetiva. Esta fusão sonora, juntamente com as luzes epiléticas de Miguel Costa (Costanza), resulta numa espécie de caos controlado, onde os instrumentos se entrelaçam hipnoticamente, levando a plateia a momentos de fúria explosiva, como a uma melancolia densa. O saxofone surge como um grito ancestral, ampliando a tensão gerada pelas guitarras distorcidas e pela percussão frenética. No final, a sensação de esgotamento emocional é palpável, tanto para a banda quanto para o público, como se todos tivessem passado por uma catarse coletiva, purificados por cada som e cada verso. A interação entre a banda e o público é simbiótica. A vulnerabilidade e urgência das letras, criam uma conexão intensa com o público, reagindo profundamente e passionalmente a cada explosão sonora. A sensação pós-concerto é um lembrete de que, apesar de avassalador, todos permanecem vivos — e prontos para o próximo Crowdsurf, obrigado Crowdmusic! Por fim, encontramos o que as palavras não conseguem dizer: a pura essência do que somos.
Saio do Musicbox com os ouvidos a pedir por mais e o coração a mil. A noite foi um turbilhão de emoções, um lembrete de que a música tem o poder de nos transformar, de nos conectar e de nos fazer sentir vivos. Saí de lá com amigos, e um disco de uma brutalidade imensa! Cada concerto tem a sua particularidade, e este, ficará marcado na minha memória por muito tempo. Diria até para sempre, mesmo que a memória me falhe, giro o disco como aconchego .
A combinação perfeita entre a raiva poética de Divã e a energia visceral de Maruja foi a cereja no topo do bolo, um presente que a vida me ofereceu num momento em que mais precisei. E assim, mais uma vez, a música prova ser a minha melhor companhia e a minha maior fonte de inspiração.
Noites como esta reforçam a convicção de que a cena musical portuguesa está mais viva do que nunca. Bandas como Divã estão a redefinir os limites do rock e a criar um som único e autêntico. É com muito orgulho que vejo artistas nacionais a conquistarem cada vez mais espaço e a levar o seu nome para o mundo. A música é a nossa voz, a nossa identidade e a nossa forma de resistir, levo comigo a certeza de que a arte tem o poder de mudar o mundo. É hora de usarmos as nossas vozes, de expressarmos os nossos sentimentos e de lutar por um mundo mais justo e igualitário. A música é a nossa arma, a nossa esperança e a nossa salvação. Ouçam, sintam e resistam!
E na dúvida, vão só! Concertos nunca são a mais!
Encontramo-nos no próximo, até já.