Uma carta de amor a Vilar de Mouros

Nas margens do tempo, onde as águas do passado fluem serenas, ergue-se semi-majestoso o CA Vilar de Mouros. Um festival que transcende a simples contagem dos anos, como um relógio que marca os compassos da alma. Este é O PAI de todos os grandes festivais portugueses. Sendo factual afirmar que Vilar caminhou para que todos os outros pudessem correr…

Foi com uma amargura imensa que o vimos cair após 2006, apesar dos breves arranques na década seguinte. Em 2014 o lema era “Vilar Voltou!”, em 2019 tivemos a certeza que era para ficar. Ao longo de décadas, patrocinadores foram e vieram. O público foi-se renovando, mas sempre com um espírito preso aos tempos áureos de rock passado. Mesmo assim, continuam a ser imensas as t-shirts deste evento dos fins de 90 e inícios de 2000, a circular pelo recinto. 

E se todo este elogio vos parece hiperbolizado, é porque quem vos escreve, deve tudo o que construiu no meio musical à existência deste festival (e a uns pais malucos que proporcionaram a vinda ao mesmo desde os seus tempos de dentinhos de leite). Se não fosse Vilar, toda a melomania que por estas veias corre, não seria de todo a mesma. Não haveria CONTRABANDA. E muito menos um curso de Music Business ou até uma Fonograna (um projeto bebé de Consultoria Musical, que vos garantimos que ainda vai dar muito que falar). 

Aqui, não se lambe o rabiosque a esta festividade para ficarmos bem na fotografia. Mas sim, porque nestes corações ecoarão sempre as notas deste acontecimento cultural, costuradas em inúmeras memórias e sonhos num manto de melodias intemporais. Todas estas analogias e metáforas que parecem saídas de um terrível livro de Paulo Coelho ou Nicholas Sparks, são só para deixarmos assente todo um sentimento de  Jenny From The Block: “No matter where I go, I know where I came from!”.

Agora vamos lá ao que interessa: a música! 

O primeiro dia arrancou com a banda portuguesa recém-formada: os Micomaníacos. Originários de Caminha, fazem parte do leque de apostas culturais do Presidente da Câmara da região. Trouxeram um pop rock simplista e uma atitude super humilde entre canções. Mostraram-se super agradecidos pelo convite, e confessaram que há um ano, mal podiam acreditar que estariam aqui. Contaram com uma plateia um pouco reduzida, sobretudo devido ao fator do festival começar a uma quarta-feira ao fim da tarde. Mas nada disso os impediu de viver, literalmente, um sonho em palco.

Com um público a compor-se aos poucos, coube aos The Last Internationale dar o primeiro espetáculo memorável do dia, ainda o sol raiava. A banda de descendência meia estadunidense/meia portuguesa, ficou cá presa nas restrições Covid, e aquando do levantamento das mesmas, a paixão pelo nosso país já era tal, que por cá ficaram. O seu som é uma mistura marcante de elementos rock clássicos e modernos, com influências que vão desde músicos lendários como Bob Dylan e Woody Guthrie até bandas contemporâneas de rock e punk. Essa abordagem eclética resulta em músicas que são ao mesmo tempo enérgicas e carregadas de significado. Significado esse que transpuseram de maneira sublime em Vilar.

Com mais um álbum na bagagem e recém-estreado, de seu nome Running For Dream, é palpável a sua ânsia e correria pelo sonho mesmo, porém, não se ficaram só pela novidade. Entre chamadas de atenção para a caótica situação do Centro Comercial STOP, crowdsurfs, e até uma cover de Grândola Vila Morena no fim do espetáculo, é impossível não destacar também a presença da vocalista e multi-instrumentista Delila Paz, e ainda a mestria de Edgey Pires na guitarra. Delila foi a única mulher a pisar o palco neste dia (e das poucas no festival todo), mas esta disparidade de género e afins é uma normalidade em Portugal ainda pouco contestada. Um pouco por todo o país, este tipo de solenidades continua a ser o clube branco cis-het. Não obstante, a energia desta artista é louvável, assim como toda a sua voz pseudo-bagaceira rock’n’roll. Já em Edgey, encontramos toda uma sensualidade e mão firme na guitarra, como até as nossas fotos o comprovam. Well done guys, well done!

As filas da entrada para o recinto estendiam-se numa extensa serpente humana, enquanto Enter Shikari entraram em cena pela noite dentro. Apesar das diversas mensagens políticas e sociais nas suas canções, estes britânicos não encontraram na freguesia de Caminha um público adequado aos mesmos. Na teoria, fazia sentido contratar esta banda de rock alternativo, post-hardcore e electronicore, mas a sua viragem dos últimos anos para a componente mais eletrónica do que core (principalmente do álbum mais recente, A Kiss for the Whole World) não fez as delícias da maioria dos headbangers aqui. O uso frequente de elementos eletrónicos na sua música obscurece a autenticidade do som da banda, e os distância imenso do single Sorry, You’re Not a Winner (2007), que ainda continua a ser o seu ganha-pão de streaming e os prende a um tempo e época a que já não pertencem mais.

Pessoalmente, achamos que a colocação desta banda antes dos headliners do dia, é o velho truque da indústria: “the calm before the storm“. E nas palavras de Duarte Oliveira dos El Señor: “Parecem uma mistura de Bring Me The Horizon com Franz Ferdinand!”, e isto não é propriamente um elogio.

Sejamos sinceros, o primeira dia desta edição só tinha um nome que unia de forma consensual toda a gente aqui presente: Limp Bizkit! Deram-nos um desgosto com o cancelamento da sua comparência o ano passado, mas a espera valeu a pena. Enquanto muitos os classificam como um fenómeno do nu metal dos anos 90 e 2000, a verdade é que a sua influência ecoa em uma variedade impressionante de géneros e artistas. O segredo da sua singularidade reside na habilidade de fundir agressão com melodias envolventes, explorar os cantos mais obscuros da raiva e da alienação enquanto, ao mesmo tempo, exploram os aspetos mais acessíveis e cativantes da música.Os norte-americanos, foram muitas vezes objeto de escárnio e desdém, desafiaram as expectativas e abriram portas para a fusão de estilos que antes pareciam incongruentes, principalmente ao incorporarem elementos do hip-hop, do punk e até do pop nas suas faixas.

Doa a quem doer, Chocolate Starfish and the Hot Dog Flavored Water (2000) é dos álbuns mais icónicos do início do século XXI. E eles têm perfeitamente noção disso. Tanto é, que a maioria da setlist do concerto caiu (como esperado) sobre o mesmo. Ver 14 000 pessoas a esganir My Generation goela fora:

“SO GO AHEAD AND TALK SHIT/TALK SHIT ABOUT ME/AND GO AHEAD AND TALK SHIT/ABOUT MY G-G-GENERATION”

– é lindo.

Por falar em geração, há aqui toda era millennial (early e late) e até Gen X (geração anterior), que cumpriram sonhos molhados de adolescência ao ver e ouvir a banda novamente em Portugal. O melhor deles todos foi um trabalhador do aeroporto Francisco Sá Carneiro, que quando a banda aterrou em Portugal, lhes pediu para atuar com eles na Full Nelson, e assim foi. O seu nome de redes é Márcio Mastodon (belo nickname btw) e subiu ao palco encarnando um espírito e movimentos corporais de um Fred Durst energético de há 20 anos, tornando-se num dos highlights da noite. GRANDE MÁRCIO! Acreditamos piamente que cada um de nós tem de fazer certos checks nos nosso propósito de vida antes de morrermos, este gajo, já cumpriu o seu ✅ GRANDE MÁRCIO!

Até agora, este foi O concerto do festival. E enquanto o tempo continua a avançar, a saga dos Limp Bizkit permanece uma narrativa complexa de hibridismo musical, subversão de normas e impacto cultural (isto, que o confirme um recinto quase lotado). Além disso, para os anos de casa que estes homens levam, não estão de todo em baixo de forma, mesmo vendo um Fred menos móbil mas com uma voz por onde o tempo nem parece ter passado. Thank guys for making our inner teen or child super happy!🙏

O fecho ficou a cargo dos portugueses e veteranos Xutos e Pontapés, que já foram muitos felizes aqui outrora. E voltaram a ser. Apesar de ser uma quarta-feira e passar um pouco da meio noite, contaram com uma legião de fãs que até a nós nos surpreendeu. Na sinfonia multifacetada que é a história da música portuguesa, os Xutos e Pontapés erguem-se como uma muralha sonora, uma força indomável que transcende gerações e desafia as convenções. Mais do que uma simples banda de rock, eles são a trilha sonora da alma lusitana, uma constante que ecoa nos corações dos mais velhos e dos mais novos. Contudo, é impossível escreve-lhes uma review maior do que isto, todos nós já sabemos como é um concerto de Xutos e muita tinta fizeram escorrer na imprensa. Embora desfalcados de uma presença icónica que era Zé Pedro, continuam assim: iguais a si mesmos e a tudo a que nos habituaram ao longo de uma carreira que já soma com mais de 4 décadas.

Ainda temos mais 3 dias de festival para vos contar. Fiquem connosco e acompanhem as publicações e aqui e nas nossas redes @contrabanda.pt ! É todo um amor desmesurado que temos para partilhar ainda 🙂 #staytuned.

Fotografias: Bruno Ferreira @ DIREITOS RESERVADOS

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