O terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura 2022: da agitação de Turnstile e Parquet Courts à festa de L’Impératrice
Na terceira jornada do festival, a diversidade de sonoridades dominou a Praia Fluvial do Taboão, com o jazz fundido de The Comet is Coming e a energia sossegada de Yellow Days a provarem-se receitas de sucesso entre os festivaleiros. No entanto, os norte-americanos Parquet Courts e Turnstile merecem mesmo ser apontados como os maiores realces do dia, não esquecendo os franceses L’Impératrice, que tiveram uma das receções mais impressionantes de toda a semana.
Ainda muitos recuperavam dos feitiços de Beach House, da anarquia artística de IDLES e dos tons satíricos de Viagra Boys quando nos confrontámos com mais um entusiasmante novo dia desta 28ª edição do Vodafone Paredes de Coura. Felizmente, este acabou por ser o primeiro dia de mais calor do que frio no recinto, e nada melhor do que George van den Broek, mais conhecido como Yellow Days, para inaugurar o palco principal e ainda apanhar um pouco do pôr-do-sol. Não sendo repetentes em Coura, já têm o seu nome associado ao festival. Ainda em 2019, viram-se forçados a cancelar a sua presença, mas fizeram agora questão de compensar esse contratempo. Para quem apanhou a passagem do britânico e da sua banda de suporte pelo NOS Primavera Sound em 2018, não viu nada de significativamente diferente. Não puxaram pela exaltação como outros artistas deste terceiro dia, mas o seu estilo é suficientemente agradável para se assistir ao concerto tranquilamente, tanto de pé como sentado na relva. Ainda assim, podia ver-se que a famosa colina de Coura estava repleta de fãs, que muito aplaudiram What We Have ou Panic Attack, ambas saídas do seu novo EP, intitulado Apple Pie. Revisitou-se Gap in the Clouds, The Way Things Change e A Little While, três dos seus melhores temas, tendo sido recebidos com uma certa ternura por quem ali estava. Esta última até levou a uma toada mais rítmica e dançável em troca dos tons melancólicos de outrora, um pouco à semelhança daquilo que já tinha acontecido no seu último longa-duração, A Day In A Yellow Beat. Tendo em conta que abriram o palco Vodafone num dia presumivelmente forte em emoções, foi agradável, mas pouco mais do que isso.
Ainda no mesmo palco, seguiu-se o regresso dos The Comet is Coming a Portugal. Um dia depois dos canadianos BADBADNOTGOOD trazerem um estilo mais calculado, mas igualmente virtuoso, para o palco principal, coube a Shabaka Hutchings, Dan Leavers e Max Hallett provarem, mais uma vez, que o Taboão também é (e merece ser) um local de celebração do jazz. Tal como os projetos musicais em que Hutchings se encontra atualmente envolvido (Sons of Kemet, Shabaka and the Ancestors), o trio pinta um jazz fundido com tons de eletrónica, rock e até mesmo g-funk. É uma mistura surpreendentemente valiosa neste cabaz de artistas tão heterogéneo, bem exemplificada em temas como Summon the Fire (saído de Trust in the Lifeforce of the Deep Mystery, editado em 2019). Foi frequente encontrar alguém a abanar a cabeça em sinal de aprovação com cada um dos solos efervescentes vindos do saxofone de Hutchings, que, ao mesmo tempo, batalhava com a turbulência da bateria de Hallett e as passagens rompantes dos sintetizadores de Leavers. Coube ao último destes três membros promover Hyper-Dimensional Expansion Beam, o futuro terceiro longa-duração do grupo (será lançado a 23 de setembro). De acordo com o músico, tentará unir as pessoas em volta da música. Tendo em conta a resposta do público ao novo material e à estreia do trio neste recinto, acho que já podem gritar vitória.
A noite começou a aquecer com os Parquet Courts, que vieram apresentar o mais recente Sympathy for Life, talvez o trabalho mais discreto dos nova-iorquinos até ao momento. Desse álbum, Walking at a Downtown Pace foi um tiro certeiro, tal como Plant Life, que colocou Andrew Savage, Austin Brown, Max Savage e Sean Yeaton num estado mais descontraído, a meio de uma setlist repleta de alento. Nada bateu, no entanto, a sequência ininterrupta de Almost Had to Start a Fight / In and Out of Patience e Freebird II, que foi euforicamente recebida nas linhas da frente. Enquanto alguns fãs flutuavam nesta onda humana, ecoavam a plenos pulmões as letras desta dupla de músicas, ou não fosse Wide Awake! o trabalho mais universalmente aclamado do grupo. Para além da faixa-título (onde a voz de Austin Brown aparentou ficar estranhamente abafada por tudo o resto), foi pena não escutar mais temas deste disco. Porém, na restante discografia dos Parquet Courts, o que não falta é qualidade. E em dia de 10º aniversário de Light Up Gold, a banda entrou na reta final do seu concerto num reconhecido espírito de comemoração. Celebraram o marco com um quarteto de faixas – onde incluíram Borrowed Time e Stoned and Starving – de um dos seus álbuns mais célebres, ainda quando apostavam tudo num post-punk áspero. Gratificaram-nos por termos ido à sua festa, mas quando a banda sonora dos Parquet Courts é sinónimo de vivacidade e libertação, o difícil seria mesmo recusar o convite.
Desde que se tornou pública a programação da presente edição do Vodafone Paredes de Coura, pode ter surgido, entre algumas camadas do seu público regular, uma certa estranheza com a atribuição do slot de cabeça-de-cartaz aos norte-americanos Turnstile. Nunca entendi essa estranheza, confesso. Na verdade, tinha uma enorme expectativa para a sua estreia neste anfiteatro natural do Taboão – e estava longe de ser o único. Para o bem de quem ansiava por esta segunda atuação da banda em terras lusas e de quem ainda estava em dúvida, confirmou-se o melhor dos cenários. Numa das primeiras aparições da banda após a saída do guitarrista fundador Brady Ebert (já estava, inclusive, a ser substituído ao vivo por Greg Cerwonka há algum tempo), o grupo de Baltimore trouxe-nos o vigor e o ecletismo de GLOW ON, “um dos discos de hardcore mais vanguardistas dos últimos anos”. O vocalista Brendan Yates rodopiava e mexia-se animadamente, para depois despejar todo o seu ímpeto no microfone, em faixas como HOLIDAY ou MYSTERY. No mesmo registo, o guitarrista Franz Lyons erguia várias vezes o punho e apontava para a plateia entre passagens, incitando os crowd surfs e mosh pits explosivos que se foram formando durante praticamente todo o concerto (com a exceção de ALIEN LOVE CALL, um tema mais calmo, escrito em colaboração com Blood Orange). Não vou ignorar que o ambiente nas zonas mais próximas do palco estava mais perigoso do que seguro. Sentiu-se alguma inexperiência e falta de “etiqueta” nestas interações, onde nem sempre imperou o desejável cuidado, mesmo em clima de caos – cheguei mesmo a ser engolido num monstruoso círculo na música de encerramento, T.L.C. (TURNSTILE LOVE CONNECTION). No entanto, estas ocorrências foram minoritárias e não estragaram aquele que não só foi uma estreia fenomenal dos Turnstile em Coura, como um dos melhores concertos que presenciei este verão.
Mas talvez a maior surpresa desta noite de quinta-feira tenha ficado para o fim – e não pelas razões mais óbvias. Mal os franceses L’Impératrice entraram em palco, envergando no peito os seus corações LED, percebeu-se logo que a plateia estava completamente ao seu serviço. Já ficámos a perceber em edições anteriores, com os casos de Jungle em 2018 e de Parcels em 2019, que o público de Coura bem se rende aos ritmos dançáveis de nu-disco. Estaria a mentir se admitisse que sou o fã mais intenso dos trabalhos destas três bandas (que ficam longe dos pioneiros em quem tão aberta e assumidamente se inspiram), mas um mérito ninguém lhes pode negar: todas as suas passagens pelo festival são guardadas com um enorme carinho por quem as testemunhou. O caso de L’Impératrice este ano é mais um para adicionar a essa lista de memórias afetivas. É impossível ficar indiferente à receção que o sexteto obteve na sua estreia em Portugal. O público muito se entreteu com Peur des Filles, Agitations tropicales ou Voodoo?, batendo palmas em regime de ovação até ao limite. Aliás, tanto foi o amor dos festivaleiros para com os L’Impératrice, que a vocalista Flore Benguigui terminou o concerto em lágrimas. É seguro dizer, sem dúvida, que foi um sucesso.
No quarto dia do Vodafone Paredes de Coura (19 de agosto), atuaram os cabeças-de-cartaz The Blaze, ao lado de artistas como Arlo Parks, Kelly Lee Owens, BADBADNOTGOOD e Ty Segall & Freedom Band.