O segundo dia do Vodafone Paredes de Coura 2022: da explosividade de IDLES e Viagra Boys até ao sonho de Beach House

Depois de um arranque protagonizado por um elenco inteiramente português que obteve resultados variáveis, a Praia Fluvial do Taboão voltou a receber um elenco com forte presença de artistas internacionais e as multidões de outros tempos. Se Alex G surpreendeu pela positiva e BADBADNOTGOOD retornaram a um lugar onde já foram felizes, então IDLES, Beach House e Viagra Boys vingaram como poucos numa noite fria de luar.

O início da 28ª edição do festival foi uma autêntica maratona. Foram mais de 12 horas de espetáculos (sempre com o selo português) que tanto resultaram em êxtase como em algum cansaço. De qualquer forma, foram ainda maiores as enchentes que regressaram ao recinto do Vodafone Paredes de Coura para o segundo dia do festival. A razão? Os grandes nomes da música internacional também estão de volta ao festival, como seria de esperar.

A tarde de quarta-feira ia ainda a meio e já se avizinhava uma afluência incomparável com o dia anterior. Escutava-se o burburinho e as esperanças assumidas para os grandes destaques deste segundo dia. Também ajudava ao entusiasmo o facto de não estar prevista a chuva que condicionou a festa portuguesa da véspera. E, por muito que se espere um recinto “à pinha” na noite de encerramento (a organização já anunciou que os passes diários para o dia em questão se encontram esgotados), não será arriscado prever que este terá sido o dia que gerou mais expectativas entre os festivaleiros de todas as idades.

Concerto de Porridge Radio no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Pouco depois das 19 horas, espreitámos a estreia dos britânicos Porridge Radio em Portugal. Vieram apresentar Waterslide, Diving Board, Ladder To The Sky, lançado em maio deste ano. No Palco Vodafone FM, Dana Margolin entrou em palco juntamente com Georgie Stott, Maddie Ryall e Sam Yardley, formando um elenco maioritariamente feminino num meio de indie rock onde, felizmente, estão longe de ser um caso único. A vocalista dos Porridge Radio, dançou e desprendeu-se das angústias e fragilidades que, em grande medida, marcam as suas letras. Com o avançar de músicas como Give/Take, do seu segundo disco Every Bad, ou Back To The Radio, a intensidade ia crescendo, até Margolin se libertar por completo em gritos e passagens pujantes de guitarras. É disto que a arte dos Porridge Radio vive, daí ser tão fácil criar laços empáticos com o que cantam. Infelizmente, esta estreia de Dana Margolin e companhia na Praia Fluvial do Taboão sobrepôs-se ao concerto de Alex G no palco principal. Apesar disso, a curiosidade acabou por levar uma parte minoritária do público a movimentar-se para escutar o que o norte-americano tinha para mostrar. No entanto, esperemos que os Porridge Radio tenham uma receção tão ou mais afável quando voltarem a cruzar-se com terras lusas já no próximo mês de novembro, mais especificamente no Centro Cultural de Vila Flor (Guimarães) e no Super Bock em Stock (Lisboa).

Concerto de Alex G no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Contam-se pelos dedos das mãos os artistas que dominaram a onda lo-fi na passada década como Alex G. É certo que, entretanto, tem-se aventurado noutras direções, como foi o caso de House of Sugar em 2019. Com um novo longa-duração a ser editado já no próximo mês de setembro (entitulado God Save the Animals), surgiu a oportunidade perfeita para Alex G e a sua banda de suporte se apresentarem pela primeira vez ao público português. Durante a primeira metade da sua atuação, via-me seriamente tentado a colocar um chapéu de cowboy na cabeça – esta vontade repetiu-se de madrugada – e perder-me dos tons country e folk de Southern Sky e Proud. Runner, single do seu futuro disco, também não caiu no esquecimento. Já a chegar ao fim, referiu-se ao cenário absolutamente excecional do Taboão – não foi o único a fazê-lo neste segundo dia – e surpreendeu-nos com a afirmação de que tinha aprendido um par de temas portugueses que iriam, naquele momento, testar ao vivo. Se foi algo que realmente aconteceu ou se foi só uma brincadeira inocente? Não tendo conseguido identificar do que se tratava, a resposta fica no ar. O que é certo é que Alex G deixou memórias férteis nos muitos jovens que estavam mais junto às grades e aqueceu o ambiente para quem se seguia durante a noite.

Concerto de Indigo de Souza no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Mudando novamente de ares, fomos espreitar Indigo de Souza ao palco secundário, que editou em 2021 o seu segundo álbum, Any Shape You Take. Se nesse disco já se notava que cada faixa era mais uma forma eficiente de sarar dores profundas, esse registo só fica ampliado num espetáculo ao vivo. Temas como Darker Than Death e Kill Me tocaram tanto a plateia que provocaram uma onda de cânticos de apoio a Indigo. Aliás, o público estava tão envolvido no que presenciavam que a artista fez questão de realçar o facto de ser mesmo a primeira vez que viu uma plateia sem telemóveis no ar. Algo que também funciona neste modelo são as suas sonoridades de grunge, que puxam muito por essa libertação de sentimentos no limiar do sofrimento. Esta terceira estreia do dia não só foi uma agradável surpresa neste formato, como reservou a Indigo de Souza um lugar no coração dos festivaleiros que ali estiveram a acompanhá-la. Pelo que deu em palco, tudo indica que será sempre bem-vinda em Coura.

Concerto de BADBADNOTGOOD no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Perdemos os minutos finais de Indigo de Souza para ir ao encontro de BADBADNOTGOOD no palco principal. Devido ao cancelamento dos australianos King Gizzard & The Lizard Wizard por motivos de saúde, a atuação da banda foi adiantada de sexta para quarta, de forma a cobrir este vazio. Com este novo horário, os visitantes mais frequentes de Coura deverão ter sentido um certo dejà vu. Tal como quando se cruzaram pela última vez com o festival, em 2017, ficou-lhes a tarefa de tocar no Palco Vodafone, por volta das 21 horas e dois slots antes de um certo ato lendário de dream pop. Realmente, as coincidências até poderiam parecer uma obra do destino, mas muito mudou na vida artística dos canadianos. Matthew Tavares saiu de cena e voltaram em grande com Talk Memory, que viu o trio a abraçar por completo as raízes de jazz que, de uma forma ou outra, já se tinham revelado no passado. Foi o que se ouviu com Signal From the Noise e Talk Meaning, ambas retiradas deste mais recente longa-duração. Nos ecrãs, passavam imagens captadas a 16mm, que em muito contribuíram para nos fazer viajar ao som da bateria de Alexander Sowinski, do baixo de Chester Hansen ou do saxofone de Leland Whitty – que, ocasionalmente, optava pelo uso da sua guitarra. Deram o seu próprio cunho a um tema do compatriota KAYTRANADA e relembraram MF DOOM através de The Chocolate Conquistadores, a faixa colaborativa que foi editada poucos dias antes do mundo ficar a saber do falecimento de um dos titãs mais intemporais do hip-hop. Se o virtuosismo e a espontaneidade musical de BADBADNOTGOOD mostram alguma coisa, é que o jazz merece um lugar de realce ainda maior do que já tem nos festivais nacionais. Se tudo depender do público que ali estava, esse amor vai continuar bem vivo.

Concerto de IDLES no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

O melhor, no entanto, estava reservado para o fim da noite. Já era previsível que IDLES seriam recebidos em euforia pelo público. Ainda faltavam alguns minutos para a entrada em cena dos britânicos e muitos ecoavam o seu nome em tom de claro entusiasmo. Sempre muito queridos pelos portugueses, ainda cá passaram em março pelo Coliseu de Lisboa, para o contentamento de uma verdadeira enchente humana que teve ali uma das primeiras oportunidades para voltar aos concertos de grande dimensão numa realidade pós-pandémica. Pouco depois das 23 horas, lá estavam Joe Talbot e companhia a imporem-se com o mesmo vigor de sempre, naquela que foi a estreia da banda em Coura e o seu sexto concerto no país. Assumiram os seus lugares de dianteira, aqueceram o baixo de Colossus e o resto é história. Talbot rodopiava o microfone, apontava-o para a plateia, andava alegremente a dar voltas aos instrumentos, pedia para se abrir um mosh pit que fosse desde as grades do Palco Vodafone até ao topo da colina. Tudo o que servisse para incitar um ambiente anárquico à sua frente foi feito, e os fãs responderam com assertividade. Com as habituais pausas entre músicas, via-se o público a recarregar as baterias, prontos para libertar de novo a tensão e usar a voz até não poder mais. O grupo trouxe muito material do seu último álbum CRAWLER, como Car Crash ou The Beachland Ballroom, mas foram sim os temas clássicos dos seus dois primeiros álbuns, como Mother e Never Fight a Man With a Perm que provocaram uma maior explosão de alegria. Para fechar o concerto com chave de ouro, tocaram as incortornáveis Danny Nedelko e Rottweiler, que provocaram uma onda final de efusão. Até o guitarrista Mark Bowen se rendeu a estes festejos, envolvendo-se num crowd surf sem grande hesitação. Antes deste momento, Joe Talbot realçou o afeto que recebeu naquela noite, rematando com o sentimento de que podia morrer ali em segurança. Não foi, de certeza, o único a sentir-se assim, mas, se há algo que IDLES nos deram com este concerto, foi vida.

Concerto de Beach House no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Após mais uma passagem memorável dos britânicos por Portugal, alguns podem perguntar: “o que será capaz de superar isto?”. Bem, Beach House foram capazes de tal feito. Com Júpiter e Saturno bem visíveis no céu, o duo de Baltimore levou-nos para junto das estrelas ao som do seu dream pop angélico. Num regresso ao festival, após uma passagem conturbada há cinco anos, Victoria Legrand e Alex Scally entraram e esconderam-se timidamente por entre as luzes e os fundos igualmente simplistas e surrealistas. De facto, o foco nunca esteve neles mesmos, mas sim na experiência associada à sua arte. Transportaram-nos para uma espécie de sonho sónico, dominado por sintetizadores, guitarras e passagens vocais que fazem qualquer um levitar. Acompanhados pelo baterista James Barone, trouxeram a grandiosidade de Once Twice Melody (editado em fevereiro), “um dos trabalhos mais imersivos e inovadores da dupla”. A bridge de New Romance, o ardente crescendo da versão ao vivo de Superstar, a aura Bond-esque de Pink Funeral, a resolução encantadora antes do refrão de Once Twice Melody. São estes instantes minuciosos que, quer em estúdio, quer em palco, tornam as criações de Beach House simplesmente deslumbrantes. E quando Legrand e Scally revisitam faixas de álbuns passados, ainda mais difícil é resistir a estes feitiços. Não poderiam faltar temas como Space Song ou Lemon Glow, mas foi mesmo o quarteto de Silver Soul, Take Care, Lazuli e Myth que puxaram mais pela comoção. A finalizar com Over and Over, percebemos que não só o duo conseguiu vingar a performance azarada de 2017, como se sentiam aliviados e deslumbrados por dar a Coura o concerto que sempre mereceu. Depois da explosividade de IDLES, os menos interessados podem ter aproveitado para tirar um merecido descanso. Para quem sempre se emocionou com o dream pop transcendente de Beach House, por outro lado, foi mesmo um sonho de concerto.

Concerto de Viagra Boys no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Porém, este estado de hipnose não durou muito. A razão? Os Viagra Boys voltaram a instalar a desordem no recinto. No palco Vodafone FM, a banda sueca veio animar a madrugada com uma palete eletrizante de dance-punk. Aliás, animar é dizer pouco. Tudo neste concerto foi eletrizante. Desde os monólogos desmedidos do vocalista Sebastian Murphy (pelos vistos, trabalha para a Vodafone e percebe muito de planos móveis), que só vieram reforçar o cunho satírico dos seus discos, até à música propriamente dita. Troglodyte ou Ain’t No Thief, saídos do fresquíssimo Cave World, são ainda mais irresistíveis ao vivo. Por outro lado, as sempre desejadas Slow Learner, Sports e Ain’t Nice só trouxeram mais barulho para esta bolha caótica. Entrámos nela por opção, mas o difícil foi aceitar o seu inevitável fim. Nada melhor que uma nova dose de euforia para encerrar este segundo dia de festival, que por tantas e tão diferentes razões, tem tudo para perdurar na memória dos festivaleiros bem para além do verão.


No terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura (18 de agosto), atuam os cabeças-de-cartaz Turnstile e L’Impératrice, ao lado de artistas como Parquet Courts, Molchat Doma, The Comet is Coming e Yellow Days.

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