O quarto dia do Vodafone Paredes de Coura 2022: dos ritmos eletrónicos de Kelly Lee Owens e The Blaze à ternura de Arlo Parks

Numa sexta-feira menos promissora, quando comparada com os restantes dias da programação, a estreia no festival das britânicas Arlo Parks e Kelly Lee Owens despertou o interesse de muitos, que se movimentaram igualmente em massa para o regresso da dupla francesa The Blaze à Praia Fluvial do Taboão.

Ao fim de três dias carregados de entusiasmo (e de uma quinta-feira dominada pela agitação de Turnstile e Parquet Courts), a 28ª edição do Vodafone Paredes de Coura dava assim início à sua segunda metade. As brisas noturnas e as constantes oscilações meteorológicas iam, finalmente, sendo substituídas por temperaturas mais agradáveis para noites de verão. O cansaço já começava a exercer um poder reforçado no corpo, as noites longas já faziam mossa. Porém, e como é típico nos festivais de verão, as memórias associadas ao que já ocorreu nesta nova passagem pelo “couraíso” e as expectativas acerca do que ainda está para vir sempre foram um dos remédios mais efetivos para esta patologia.

O quarto dia da programação deste ano aparentava ser, à partida, menos apelativo do que o restante cartaz – isso também se fez sentir na afluência ao recinto. As mudanças nos horários, provocadas pelo cancelamento da atuação dos australianos King Gizzard & The Lizard Wizard no segundo dia do festival, só vieram aumentar esta discrepância entre as diferentes partes da programação. O regresso dos canadianos BADBADNOTGOOD ao anfiteatro natural de Coura viu-se adiantado dois dias, provocando a maior quebra de atratividade dentro do conjunto de artistas desta sexta-feira. Para preencher este espaço subitamente vago, a organização escolheu promover Kelly Lee Owens do palco Vodafone FM para o Vodafone – já lá iremos ao resultado desta alteração.

Concerto de Baleia Baleia Baleia no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Às 19h15, no slot original da artista britânica, subiram ao palco secundário os portugueses Baleia Baleia Baleia, que foram confirmados na programação principal, em conjunto com as mudanças anteriormente mencionadas. Para além de terem atuado em plena vila (na Caixa da Música), no sábado anterior, já os tínhamos visto na sexta edição da FAUPFest em maio. Apesar de só termos apanhado a reta final deste segundo concerto do duo, a receita encontrada e a reação do público pareceram ter sido semelhantes. Manuel Molarinho e Ricardo Cabral exibiram, mais uma vez, uma energia contagiante em palco. Vimos Manuel a rodopiar efusivamente enquanto tocava no seu baixo. Noutra altura, subia para junto da bateria de Ricardo, numa procura insistente para elevar a intensidade de cada um. E o público ia sendo apanhado por esta onda de choque do punk rock dos Baleia Baleia Baleia e, verdade seja dita, respondeu sempre em tons afirmativos.

Concerto de Arlo Parks no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Estreámo-nos, às 20 horas, no palco Vodafone ao som da britânica Arlo Parks, que tem vindo a ser sucessivamente apontada como uma das principais promessas desta nova década, graças ao bedroom pop suave e multifacetado de Collapsed in Sunbeams, o seu primeiro trabalho de estúdio. Sempre sorridente e afável, manteve-se bastante fiel aos originais neste registo ao vivo. Abriu assim espaço para percorrer subtilmente o cenário simplista que tinha à disposição, de uma ponta à outra, enquanto os seus músicos de suporte nos embalavam com as melodias de Caroline ou Bluish, inicialmente concebida no seu quarto, quando ainda tinha 15 anos. Black Dog, por outro lado, foi composta a pensar na melhor amiga e em House of Cards – uma das muitas faixas icónicas de In Rainbows dos Radiohead. Tudo corria bem nesta estreia em solo nacional, até o som falhar por completo durante Hope. A estranheza instalou-se e até ficámos com a ideia de que ninguém no palco se apercebeu do incidente. Felizmente, e tal como enuncia o refrão da música (“you’re not alone like you think you are”), a maré de fãs junto às grades não deixou Arlo a cantar sozinha e compensou assim uma falha técnica que poderia ter condenado aquilo que foi, de resto, um showcase enternecedor de uma artista que ainda tem muito potencial por explorar.

Concerto de Kelly Lee Owens no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Seguiu-se a já referida Kelly Lee Owens, que viu-se agora presenteada com um horário mais favorecedor, tendo também um palco de maior dimensão ao seu dispor. Porém, havia algumas reservas acerca desta atuação, mesmo para quem já se tinha deixado conquistar pela sua música. Não se sabia ao certo se o seu estilo de eletrónica – que tanto consegue ser sombrio como arrojado – iria ser bem recebido pelas camadas mais conservadoras, que continuam a acreditar que o Vodafone Paredes de Coura é um festival, única e exclusivamente, para música de guitarras. Também permanecia a dúvida se o seu set não resultaria melhor no formato after hours. Sobre esta última questão, as opiniões podem não se ter alterado assim tanto. Contudo, não estávamos à espera que, pelo menos nas filas da frente, a plateia se rendesse tão rapidamente ao esplendor sónico de Owens. Entrando encapuçada para tocar Arpeggi (em mais uma clara evocação aos Radiohead nesta noite de sexta-feira), rapidamente se desprendeu da capa que trazia vestida, agarrou com confiança no microfone e envergou a estética mais art pop de temas como Re-Wild ou L.I.N.E., saídos de Inner Song (editado em 2020). No entanto, as passagens mais eletrizantes vieram sob a forma de Jeanette e Melt!, já a chegar ao fim. Os seus ritmos de house provaram ser certeiros com o público que ali estava – ficou bem comprovado pelo vídeo que posteriormente partilhou nas suas redes sociais. Num concerto em que os receios eram maiores do que as certezas, os festivaleiros fizeram Kelly Lee Owens sentir-se em casa.

Concerto de Ty Segall & Freedom Band no Vodafone Paredes de Coura 2022 | Fotógrafa: Mariana Silva

Já de madrugada, íamos ouvindo algum feedback do espetáculo dado por Ty Segall & Freedom Band. Ficámos com a sensação que as opiniões se dividiam, um bocado à semelhança do que já tinha ocorrido na sua última passagem pelo festival, há cinco anos atrás. Quem também tem o seu nome ligado ao Vodafone Paredes de Coura é a dupla francesa The Blaze, com quem já tínhamos planeado fechar este quarto dia de espetáculos no Taboão. Nos dias que se antecederam, a diretora da CONTRABANDA, Ana Duarte, recontou várias vezes a estreia de Guillaume e Jonathan Alric. À altura, disse ter sido “um pleno espetáculo audiovisual”. Após presenciarmos este regresso da dupla, quatro anos mais tarde, damos-lhe toda a razão nesse campo. Para além da sua dimensão colossal, os múltiplos ecrãs que trazem na bagagem vão sofrendo metamorfoses com o decorrer do espetáculo, mudando a sua forma, mas também as imagens e vídeos que expõem. Não são um simples acessório para o sucesso de toda a performance, mas sim uma parte essencial da mesma, muitas vezes complementando e até ganhando maior importância e poder do que os temas tocados pelos primos Alric, como Territory e She. Não é de estranhar, sendo que ambos têm explorado o mundo cinematográfico no passado, preferindo ficar submersos pelas projeções do que darem a conhecer os autores por detrás desta peça. Foi mais um concerto neste quarto dia de festival que, apesar de não entrar para a lista dos mais memoráveis desta 28ª edição, conseguiu vingar para a grande maioria dos presentes no recinto.


No quinto e último dia do Vodafone Paredes de Coura (20 de agosto), atuaram os cabeças-de-cartaz Pixies e slowthai, ao lado de artistas como Perfume Genius, Yves Tumor & Its Band, Princess Nokia e Manel Cruz.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *