Ageas Cooljazz: A Coroação de Chaka Khan e o Trip Hop contagiante de Morcheeba
Na edição que marca o seu 20º aniversário, o Ageas Cooljazz arrancou em grande estilo, com nomes como a portuguesa Lana Gasparøtti e o lendário duo francês de ambient house, Air. Felizmente para os que foram, o 2º dia– dia 10 de julho – trouxe artistas igualmente incríveis e com estreias surpreendentes!
É prazeroso ir a um festival de música onde as pessoas se sentem em casa e não se inibem de o expressar por algo simples e, por vezes, desvalorizado: o prazer pelo convívio e pelo conforto num espaço comum.
Pouco tempo depois de chegar ao Hipódromo Manuel Possolo, na zona de Cascais, foi agradável observar uma audiência tão híbrida a nível de nacionalidades e de idades. Quer se fosse português, espanhol ou neerlandês, ou com 30, 50 ou 70 anos, sentia-se uma coexistência saudável pela parte dos visitantes e o seu depositar de confiança num festival familiar e acolhedor como o Ageas Cooljazz.
A zona de restauração é bastante central e pode-se desfrutar de bons locais para se sentar (mas cuidado, pois a carteira pode lacrimejar ligeiramente; é um risco que nós, como amantes de música, temos de correr). As casas de banho ficam ao lado do palco “Ageas” portanto, se estiveres nos outros, prepara-te para andar!
Os acessos aos três palcos (palco principal “Ageas”, palco secundário “Cascais Jazz Sessions” e palco “DJ Late Nights”) são razoáveis e a acústica de qualquer um deles é bastante boa (tendo em conta os desafios de um palco aberto, propício a irregularidades geradas pelo vento e pela regulação mais complicada de frequências graves; o sound designer e produtor musical que há em mim já parou, prometo).
ONOMA: O NOVO JAZZ ESTUDANTIL NACIONAL
Enquanto a boa disposição ia pairando, fui espreitar o palco “Cascais Jazz Sessions” e cheguei a tempo da atuação do combo português de free jazz, Onoma. Graças à sua vitória num concurso de bandas, os estudantes da faculdade do Porto tiveram a oportunidade de arrancar o dia da melhor maneira!
O resultado passou por um set de temas originais (destaco “Pueblo”) com arranjos repletos de jazz, ambient e música experimental imersiva, bem como de uma coordenação exímia entre os 6 músicos e as suas secções instrumentais (secção melódica composta por 1 teclista, 2 saxofonistas e 1 trompetista/corneta, e a rítmica constituída por 1 contrabaixista e 1 baterista).
Inicialmente o público fez-se de difícil, mas depois o que estranhou começou a entranhar e foram merecidamente aplaudidos pela tímida plateia a assistir. Foram os primeiros passos e acredito que poderão ter o seu espaço no panorama jazz e contemporâneo nacional!
“WALKING FREE, IN HARMONY” AO SOM DE MORCHEEBA
Na sua 18º atuação em solo nacional (claramente entusiastas de pastel de nata e do Algarve), esta foi a primeiríssima vez do lendário grupo de trip hop britânico no Ageas Cooljazz.
Composto pela vocalista eletrizante Skye Edwards, e pelo guitarrista e baixista Ross Godfrey, os Morcheeba são considerados uma das bandas mais bem-sucedidas de trip hop do final dos anos 90 e do início do novo milénio, com uma sucessão de êxitos internacionais como “Rome Wasn’t Built In a Day”, “The Sea”, “Blood Like Lemonade”, “Blindfold”, entre muitos outros! O seu último projeto foi realizado durante a pandemia, intitulado “The Blackest Blue”, lançado em maio de 2021, mas não vieram.
Enquanto ia procurando o meu lugar, as 21 horas iam-se aproximando e procurei perceber a recetividade do público. Como previsto, a maioria ainda não tinha chegado ao recinto e logo aí se viu qual era a atuação mais aguardada da noite.
Durante o concerto, as várias tentativas de cativar a audiência, por parte de uma das melhores vocalistas da sua geração, foram em vão (pediu que fizessem um cântico em “The Sea” ou que repetissem a frase “Oh Yeah, Oh Yeah” no tema “Oh Oh Yeah”, mas sem grande adesão).
Alguns dos presentes, como em qualquer plateia, não estavam interessados na prestação dos ingleses de Kent e não tiveram a devida consideração pelo seu trabalho que, a meu ver, foi digno de uma ovação de pé (acabaram por a ter claro, mas já lá vamos)!
Atualmente são acompanhados de uma backing band constituída por um baixista, um baterista e um teclista do mais alto nível, contribuindo assim para as cadências progressivas, o uso eficaz de sampling e as influências de eletrónica, rock, pop, R&B, downtempo e psychedelia que tanto caracterizam a sonoridade da banda.
A guitarra distorcida e psicadélica de Godfrey (em temas como “The Sea” e “Otherwise”), os contrapontos musicais do baixista e as linhas melódicas do teclista marcaram o set de 1 hora, mas especialmente a vivacidade e prestação vocal contagiante de Skye Edwards! Realço a teatralidade e a mística da vocalista em frases como “I’m on My Knees to Pray” na faixa “Never an Easy Way”, tal como o hipnotismo entoado pela letra “Love the Trigger Hippie” em “Trigger Hippie”.
O público em geral lá deu o ar da sua “graça” em músicas como “Blood Like Lemonade” e “Rome Wasn’t Built In a Day”, colocando-se de pé de forma espontânea e com apreço por Skye Edwards.
Ainda assim, foi um concerto carregado de feeling, harmonia e, acima de tudo, muita e ótima musicalidade! Para quem nunca teve a oportunidade de os ver, procurem os próximos concertos nas redes sociais e website da banda. Asseguro que fãs de eletrónica, soul, R&B, hip hop e ambient não vão ficar desiludidos!
PS: Recomendo o álbum “Charango” e o single “Otherwise”, a minha música de eleição da banda!
“AIN’T NOBODY” COMO CHAK…CHAK…CHAKA KHAN
Depois dos Morcheeba acabarem o seu set, coube a uma das maiores ícones da música funk americana quebrar a espera de milhares de fãs e finalmente subir a palco: Ms. Chaka Khan!
No seu regresso a Portugal e estreia no festival, pela digressão internacional “A Celebration Of 50 Years In Music“, Khan levou o público numa jornada audiovisual pela sua carreira ímpar na música contemporânea. Nesta exibiu imagens dos seus anos áureos e diversos testemunhos de figuras da cultura popular norte-americana, como Stevie Wonder, Michelle Obama, Whitney Houston, Joni Mitchell, entre outras(os), dando assim o mote para um concerto memorável comemorativo de 5 décadas no ativo!
A performance foi brutal e com muita energia do início ao fim, proporcionando-nos com músicas da sua fase com a banda Rufus nos anos 70, como “Tell Me Something Good”, “Sweet Thing” e “Ain’t Nobody”, como as do seu percurso a solo como “I Feel For You” (originalmente de Prince e marcada pelo icónico sample de entrada), “Through The Fire” (tema posteriormente “samplado” em “Through The Wire”, por Kanye West) e o clássico de empoderamento feminino “I’m Every Woman” (muitos passaram a conhecê-la pela versão de Whitney Houston).
A sonoridade identitária de funk, soul, R&B, disco e de “fazer bebés” esteve sempre presente. Até houve tempo para um cover de Fleetwood Mac (“Everywhere”), e um tributo à cultura afro-americana e ao hip-hop, onde 4 bailarinos subiram a palco e arrasaram a partir da arte do breakdance!
A plateia manteve-se sempre fervorosa, especialmente em “I Feel For You”, “I’m Every Woman” e “Ain’t Nobody”, fazendo com que a maioria das pessoas tivesse o impulso de se levantar e de dançar ao som da grande voz de Khan e da sua banda virtuosa (realço o guitarrista, o baixista e o seu coro de 3 mulheres).
É o perfeito exemplo da postura que uma lenda viva deve ter: uma líder humilde e que procura sempre enaltecer o talento de cada colega, a cada oportunidade que tenha (fez isso por inúmeras vezes, como por um momento de “chamada e resposta” entre Khan e as três coristas em “I’m a Woman (I’m a Backbone)”; um bailarino a dançar à sua volta em “I Remember U”, etc.).
Aos jovens 71 anos de idade, Khan é uma referência para qualquer artista e qualquer mulher: uma mulher independente que sabe o que quer e que não se deixa abater pelos obstáculos pessoais e, acima de tudo, da vida! Ela é “Every Woman” e, sem dúvida, “Ain’t Nobody” como a Ms. Chaka Khan!
Em suma, a minha experiência no Ageas Cooljazz foi sempre boa e espero que continue assim durante muitos anos. Há sempre aspetos a melhorar como tudo, mas os concertos aos quais assisti lá têm sido sempre muito prazerosos. Vi lá David Byrne e Kraftwerk, e adorei!
O festival terminou no dia 31 de julho e contou com vários cabeças de cartaz para diversos gostos musicais, entre os quais Maro, Dino D’Santiago, Diana Krall, Fat Freddy’s Drop e Jamie Cullum!
Obrigado por terem aguentado até ao fim do artigo e, se estiverem interessados, não se esqueçam de seguir as redes sociais da CONTRABANDA para mais novidades sobre os próximos concertos e festivais pelo país fora!