Souto Rock: Dezanove Anos de Memórias em Sinfonia

Com Deftones a ecoar e as oliveiras a sussurrar segredos de dias passados, os rostos amigáveis oferecem sorrisos que aquecem o coração. 

Voltei ao Souto Rock!! Sem nada esperar ou expectar, confesso que em qualquer outra situação citadina, seria o antídoto perfeito para me inquietar, mas traduziu-se precisamente no contrário, e não poderia estar mais tranquila com isso.  

O Souto Rock não necessita de grandes apresentações, já vai na 19º edição e, sem dúvida, devemos considerá-lo um marco histórico do nosso querido e necessário rock nacional. – Mais que não seja por me ter feito ficar completamente apaixonada por Bunnyranch, desde 2009. 

Quinze anos depois retorno aqui…mas porque voltar este ano e não nas edições anteriores? A resposta não tem grande ciência, simplesmente tinha tempo livre, bateria social e vontade de colocar os meus devaneios cá fora. Devaneios esses, aliados ao meu pequeno grande amor, a música nacional. E aos meus amigos. 

Neste mesmo ano, dois mil e vinte e quatro, também se assinala a primeira edição com mais mulheres no cartaz, coincidências ou talvez, um compasso cósmico que uniu pessoas, objetivos e sonhos no mesmo festival de amor à música (e à vida). Acredito em conexões. 

É importante saber que não nascemos a saber tudo sobre o mundo, mas sim, que ele nos ensina o que precisamos de aprender e consciencializar. Tudo começa com um simples passo, ouvir. 

É necessário educar para o respeito, educar os homens que continuam a objetificar a mulher, assim como educar para a igualdade de género, e fazer questão de deixar claro que uma mulher em palco, pode fazer tudo e muito mais que apenas tocar baixo. – deve ser pelo número de cordas, mas todos nós sabemos que é no baixo que está grande parte da virtude. Atire a primeira pedra quem não necessitar de Groove! 

É também importante, pararmos de uma vez por todas de perpetuar comportamentos, que só nos tornam humanos pouco credíveis. Algures entre pausas, li um excerto de Saramago que dizia o seguinte: “Talvez mais do que esteticamente sensíveis ou politicamente corretos, o que nós deveríamos mesmo ser era ativamente bons”. E de facto, o Souto Rock provou que sabe usar a chave na ranhura certa, um sincero obrigado por isto!

Embora isto não seja um relato em que vos conto cada passo que dei, muito menos uma crítica musical ou uma review como os mais “metropolitanos” gostamos de lhe chamar (que manias pá, paremos com isto?) chegou o momento de dar a minha mais sincera opinião. Vale o que vale.

sexta, 12 de julho

O primeiro dia começou com o concerto de Nada Ético, não conhecia, mas sendo eles nascidos na capital do rock, o mínimo que poderia esperar são as boas referências/influências. Acredito que, por esta mesma razão, tenham sentido a pressão por estrearem a 18º edição do festival, embora não seja o tipo de sonoridade que me corrói. – Entregaram tudo! É definitivamente uma banda, ou como os conterrâneos lhes chamam, “Um conjunto“ a seguir os próximos passos.

Seguimos com Os Overdoses, e aqui vamos fazer um pequenino rewind no texto, lembram-se da questão de educar para o respeito? Voltemos a esta questão como ponto de partida.  O meu rock n roll, não tem de ser o mesmo que o teu, e apesar do rock n roll d’Os Overdoses ser o meu rock n roll, estar em palco acaba por nos obrigar a aprender a comunicar, a educar e acima de tudo, a saber respeitar quem está ali porque assim quer estar. Apesar das controvérsias, quem esteve presente não irá apagar da memória o momento em que o nosso querido e enigmático Johnny ficou sem guitarra. – “NÃO TENHO GUITARRRAAAAAAAAA AAAAAAAAHfoi o ponto alto deste concerto, por ter sido, na minha perspetiva, o momento mais natural e genuíno, como o próprio é e sempre será. Outro ponto a salientar, é a adição do Esteves na bateria, que como das dez mil e uma bandas da qual faz parte, voltou a demonstrar que nada lhe escapa, seja em que sonoridade for, a musicalidade que existe dentro dele é aquilo que o mantém vivo. 

É extremamente importante realçar que apesar de excelente seleção musical do técnico e de adorarmos que no Souto, seja Natal quando nós quisermos, o som não era o melhor. Este fator influenciou bastante a perceção sonora, que eu e muitos dos que me acompanharam durante o festival, sentimos. De facto, especialmente para quem está em cima do palco é um fator extremamente significativo, se não o mais importante. Mas os Sunflowers, a banda de noise rock e art punk do meu mais que tudo Porto, fizeram com que isso fosse secundário, e foi sem sombra de dúvida o melhor concerto da primeira noite. E para quem não entende assim muito bem estas ramificações e definições da cena: sentiu, viveu, dançou e presenciou, aquilo que eu gosto de chamar um espetáculo de puro rock. Carago!! Que pujança!!! Energético, Frenético, Puro e Duro!  Roriz tremeu, sofreu e quase chorou por mais!

Felizmente de seguida tivemos os Maquina, “MAQUINARIA PESADAAAAA”, como eu gosto de gritar em cada concerto. (eu sei que tenho de parar!) “PRATA” é o álbum de estreia da banda, e atrevo-me a dizer que é o melhor álbum do ano, se não, dos melhores que alguma vez tive a oportunidade de ouvir em toda a minha vida (e já ouvi muitos). Maquina é Rock, é Punk, é Dança, é Groove, é caos e destruição, como também é paz, calma e serenidade. AI! E como é necessária esta paz e serenidade, porque às vezes é mesmo necessário parar, respirar, fumar um cigarrinho para rir e abraçar o raio que nos parta! E partiu tudo!

Se depois de um concerto de Maquina ficarem muito tensos, vistam o pijama e sigam para o after. Flanela e Cabedal é o antídoto perfeito para continuar a noite ao som de Dedos Bionicos + Lovers&Lollypops. Quando acabar, ouçam Oasis, os haters vão odiar, mas também não deixam de cantar. 

sábado, 13 de julho

Acordei de cabeça meia moída, com o cansaço a fazer-se sentir, plena e serena, até a chegada dos Hetta. Esses miúdos são uns diabretes indomáveis, e ainda bem!! Acabou a paz e sossego! Bora mazé curtir, que isto da idade é totalmente uma questão psicológica, ainda há muito por viver. 

E vivemos! Pelo menos eu, vivi e muito ao som dos Them Flying Monkeys,que abriram o segundo dia de festival com o seu neo-psicadelismo/rock alternativo. Enquanto escrevo isto, for cool kids e para tudo e todos, estou a ouvir em loop  a “Pretty Sticks”, última malha lançada pela banda.  Que energia, que musicalidade, harmonia, tudo!! Estou completamente contagiada em todas as entranhas do meu corpo! Ainda não entendi como não os conhecia, dormi imenso nestes meninos. – Isto é um pedido de desculpa sincero. Shame on me, que afinal, percebo é nada! Se estão a ler isto, por favor, ouçam e assim que tiverem oportunidade vão vê-los ao vivo. Para além de tudo o que eu já mencionei, gostam de gatinhos.

Não que eu perceba muito de francês tanto como percebo de gatos, Them got me at  “les chats sen fous” foi o que se ouviu cá de baixo, ou simplesmente foi aquilo que quis ouvir, mesmo que a musica se chame “Les gens sount fous”, o meu coração não mentiu. Ainda bem que Francisco, o meu conterrâneo Tirsense, parceiro no crime, reflexo da minha visão, imortalizou a setlist e a transformou num poema visual. 

E por falar em gatinhos, a presença de um leopardo no mundo animal compartilha uma intensidade magnética que é ao mesmo tempo poderosa e cativante. Assim como o leopardo se move com graça feroz e uma autoridade inegável, os Dead Club apoderam-se do palco com energia eletrizante e uma presença avassaladora. Movimentos silenciosos, mas carregados de uma força latente, uma combinação de elegância de poder bruto. Cada passo é calculado, cada salto é preciso, e a mera presença evoca respeito e admiração.

As batidas, ou os beats, ressoam a batimentos de um coração selvagem, os riffs da guitarra cortam o ar com a precisão de garras afiadas. Violeta Luz, comanda o público com uma voz que é ao mesmo tempo rouca e melodiosa, repleta de paixão e força. Ambos, tanto o leopardo, como Dead Club capturam a essência do que significa SER verdadeiramente vivo. O leopardo, mestre da selva, e Violeta soberana do palco, revelam uma sincronia entre movimento, som, poder e beleza. É um “sexy sem ser vulgar” com muita força. Foi sem dúvida, um tributo à energia crua e à elegância feroz que cativam e inspiram.

Em última análise, tanto o leopardo, como Dead Club, exemplificam uma presença que é impossível de ignorar – uma mistura de força e graça que deixa uma marca inextinguível em todos que têm o privilégio de os ver. 

É impossível negar a intensidade colossal desta dupla, que atinge miúdos e graúdos com a sua presença. E impossível não mencionar o momento em que conseguimos ler nos olhos de um miúdo, entre os seus 2 / 4 anos (aposto que tem 3) que o que quer ser quando for grande, é ser guitarrista como o Pedro. Um encontro improvável. Uma melodia celestial escrita nas estrelas. A vida em perfeita harmonia. Foi o momento mais bonito destes dois dias repletos de emoções. Estar no momento certo a hora certa, é uma sinfonia de sorte, um êxito do destino.

Tarefa árdua esta de superar tamanha grandiosidade, que nos transporta para um lugar interno de poder, que por vocês nos esquecemos que temos. – BORA BEBER UM SHOT! 

É a vez de 800 Gondomar dominarem o palco. Preferiram o alcatrão à estrutura do palco e tudo o que estava a volta! Aproveitaram a atmosfera e trataram-na por tu. Todos! 

Um back to back entre o público e o trio, uma envolvência e companheirismo que apenas se consegue fazer quando se tem o sentido de comunidade bastante presente no seu mundo entre palcos e vidas rotineiras. Poderia estar aqui a fazer uma imensidão de comparações, mas vamos pelo sentido mais puro da vida: o sentir o que se vive, deste nosso rock. 

Remetida a um momento em que outrora vivi, e aos locais que mais me formaram enquanto pessoa, como a Casa Viva (Porto) ou os poucos e grandiosos momentos no Xispes (Barcelos). Refiro-me ao espírito do DIY, sem esperar nada ou expectar grande coisa, a não ser viver no momento. Fazermos por nós mesmos, sem ligar ao que os outros pensam, mas ter sempre consciência da presença do próximo, respeitando o espírito, o estar e o ser de cada um. Imergimos num só. 

Ainda estou a lidar, quero mais! 

Hetttaaaa! Se à pouco mencionei a Casa Viva, não poderia deixar de mencionar o Alma Em Formol. Volto, portanto, a um Porto que já não existe e onde vivi durante toda a minha adolescência. Um Porto onde fui aprendendo as várias ramificações destas intensas sonoridades. (Os sítios mencionados também já não existem, e isto é das coisas que mais me irrita e chateia na vida! Se quiserem, falámos sobre isso depois. bora!)

Voltando ao ponto da questão: os Hetta!

Estes meninos do Montijo, definem bem o ato que representa a quebra da barreira tradicional entre o artista e a audiência, onde o músico se torna parte da multidão, confiando na comunidade para apoiá-lo, LITERALMENTE! 

Da mesma forma que o Stage Dive é mais do que apenas um salto do palco; é uma expressão da energia, da rebeldia e da comunhão que caracterizam os concertos ao vivo. Como disse Alex (vocalista), numa conversa que não tinha nada a ver com isto, mas achei poético: “É como algum tipo de vulnerabilidade / sensibilidade em música mais pesada, abrasiva, por norma estereotipada num espetro machão ou demasiado bruto”.  Quando bem-sucedido, é um momento de pura adrenalina e celebração compartilhada, um ritual que reflete a essência do espírito do rock e do punk, um post-punk hardcore dos novos românticos. Uma ressonância que ecoa nos corações de todos os presentes, quebrando barreiras e fundindo almas numa dança caótica e sublime. 

Cheios de amor para dar, e com um elemento substituído “a última da hora”, ainda nos presentearam com quatro malhas novas, e é difícil escolher entre elas. Sendo que, como qualquer musica que estes diabretes irrequietos nos apresentem, não nos fica indiferente. Decorem o nome desta “ Fire the Choir” que nos fala sobre as observações da cultura e da vida, mais o menos como aquilo que estamos aqui a fazer. – Vocês enquanto leem, eu enquanto escrevo. Queremos disco, Hetta!! 

Tenham calma, que a formação inicial mantém-se! Foi apenas um contratempo.

 Um beijinho ao Simão que fez doí doí no dedo e não conseguiu estar presente em palco. – Esteve em espírito! O Luís, guitarrista de clericbeast, como bom amigo que é, mesmo com 3 ensaios/ 6 dias para aprender 12 malhas, não deixou o nosso Simão ficar mal!! Que arraso!! Que proeza!! Desafio-vos a tentar, aviso já que não é fácil! Deu um concerto memorável e ainda anunciou as nossas ricas rifas. Os desafios não o assustam. 

Em cada concerto deles, sentimos o abraço silencioso entre o som e a fúria, onde cada salto, cada mão estendida é um voto de união, que se revela à essência da música. No ar rarefeito do palco, onde a alma se desnuda e a voz paira sobre a multidão, a melodia transforma-se num voo incerto, onde carregam consigo a vulnerabilidade exposta e a sensibilidade à flor da pele.

É neste momento de comunhão transcendental que a música se eleva à sua forma mais pura, transcendendo as barreiras da linguagem e da cultura para tocar o coração de cada um. Cada nota, cada acorde, cada verso é um pedacinho da alma do artista, entregue de bandeja para ser sentido, interpretado que só faz sentido quando partilhado.

A sensibilidade escondida nas notas mais ásperas, é um grito coletivo que transcende o espaço e o tempo, perpetuando-se no espírito indomável dos quatro elementos da banda. Em cada movimento, cada gesto, é uma prova de que na dança entre o caos e a ordem, encontramos a essência pura do que significa viver e criar juntos, numa celebração incessante da liberdade. Só seremos livres, quando todos formos livres! Intenção e Reflexão. 

O resto da noite ficou ao encargo do Dj set de Carlos & Custódio, obviamente que foi até as Baleias do Roberto Carlos, para nos lembrarem que descansar nos dá mais uns aninhos pela frente, isso até é fixe. Descansar é fixe! “Que a rotina é a ruína!”. 

Assim, enquanto os acordes continuam a vibrar no ar e o ritmo da vida segue o seu curso tranquilo, é a essência calorosa desta terra que verdadeiramente sustenta este “castelo”. É o espírito acolhedor e a amizade sem condicionantes que formam as fundações deste lugar especial. E os cozinhados da Dª Teresa e da Dª Florinda, que sem elas , não dá para puxar carroça!! – A sério, vocês estão bem a entender!!! 

É aqui, neste lugar, onde cada nota ressoa como uma memória entrelaçada com os sons da minha infância, sinto-me enraizada na simplicidade e na autenticidade. É AQUI que os laços são forjados com base na sinceridade e na generosidade, onde a comunidade se une para apoiar e nos celebrarmos uns aos outros.

Em suma, é nesta harmonia entre música e memória, entre tradição e acolhimento, que encontro a verdadeira essência do meu lar. É neste local que descubro a beleza simples da vida, onde a hospitalidade floresce naturalmente e a conexão com minha identidade se fortalece a cada batida do coração desta comunidade. – Obrigado, Leonel! 

Neste retorno até Lisboa, agora com os Air como sinfonia de fundo, percebo que não precisamos de escolher entre os dois mundos. Ambos fazem parte de quem somos, de quem sou. Com um sorriso nostálgico, abraço as minhas raízes e preparo-me para voltar à metrópole, levando comigo a serenidade da minha pequena cidade e do espírito indomável do rock and roll. Um equilíbrio perfeito que fortalece e a inspiração moldada pelo brilho das luzes e pelo som eterno das guitarras. – É a história de ida e volta, de descoberta e redescoberta. Brindemos às noites estreladas, sem a interferência das luzes artificiais que trazem de volta a tranquilidade e a introspeção. Brindemos ao som do vento nas folhas, as Oliveiras que abraçam o palco, e ao canto dos pássaros que substituem a sinfonia incessante dos carros e das multidões. 

O Souto Rock, esse, permanece!

FOTOS: FRANCISCO ALVES @ TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – NÃO ROUBEM FOTOS SEM ENTRAR EM CONTACTO COM O FOTÓGRAFO.

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