1º Dia EDP Vilar de Mouros – O Encontro com o Legado Intocável

Todos os anos quando se avizinha a época de festivais, os comentários de que já não há Rock no Rio, que o Primavera Sound está mais cada vez mais longe da tepidez desta estação, ou “Há 20 anos, o festival Sudoeste foi assim”, são praticamente infalíveis. Não há dúvidas de que há muito a se apontar aos grandes festivais de música em Portugal – seja por questões de logísticas, que cada vez são mais ignoradas; a crescente subida do preço dos bilhetes; ou a não-resistência a música moderna – esta última sempre mais controversa. 

É claro que tudo isto é natural em certa medida. Há 20 anos, o Rock era um género musical muito mais popular que hoje em dia, e muitos desses festivais nunca foram propriamente um festival de Rock, mas sim de música Popular, o que implica que as mudanças continuarão a ser inevitáveis. Mas no meio de tudo isto, existe um festival com uma enorme facilidade de ser visualizado no passado e no futuro, e esse festival, para o bem e para o mal, é o EDP Vilar de Mouros. 

Um festival que carrega um público que no mínimo está lá pela sétima vez (infelizmente não consecutiva por razões óbvias), e um punhado de bandas que já carregam um certo legado – juntos moldam a aura do festival para um nível energético autêntico. 

Porque, vamos lá, você duvidaria se no princípio do dia eu dissesse que Placebo e Suede dariam concertos absolutamente arrebatadores? Ou que Gary Numan, um dos impulsionadores do Synth-Pop nos colocaria a dançar? A parte das mesquinhices que vêm com a idade, como não permitir o público fotografar ou filmar os seus concertos solo, e de alguns trabalhos irrelevantes no meio dos seus longos anos de estrada, esse leque de artistas sabe dar um show. 

The Black Teddys

O dia no Vilar de Mouros começa cedo por conta do campismo – tão cedo, que se ouvia pessoas dizerem que já estavam instaladas há uma semana – ou outros que saíram do e Paredes de Coura, e vieram diretamente para serem recebidos pela brisa de Caminha. Mas o arranque do festival teve consagração da banda Indie Rock portuguesa, The Black Teddys, a mais nova do alinhamento do festival, chegou a um palco sem muita estrutura – o que é normal para bandas com tão pouco tempo de atividade – mas foram logo nos primeiros acordes que se notou toda estrutura que carregavam por dentro, à antiga como um edifício ainda com gárgulas: atrativo, memorável, e mais importante, funcional. 

De olhos fechados, a voz de Carlos André assemelhava-se à Alex Turner dos Arctic Monkeys, e de olhos abertos se via o quão funky eram, não apenas pelos recorrentes “Sha-la-la-la” ou “Pa-pa-ros”, mas porque em momentos, alguns desses riffs e a sua presença em palco transportava-nos para uma década onde eles possivelmente seriam muito mais notados. Tristemente por conta do consumo fast food da música em hoje em dia, boas bandas como essa passam frequentemente por debaixo do radar, por isso é importante ter festivais como esse que dão essa plataforma para promissoras bandas nacionais. 

Gary Numan 

A tarde aos poucos se tornava em noite, e se montava o ambiente propício para a próxima atuação. Após termos perdido a performance do grupo nova-iorquino Battles, ironicamente recebemos Gary Numan como se tivesse vindo diretamente de uma batalha. Chegou dramático como um profundo arranhão no rosto, e olhava intensamente para o público durante cerca de um minuto enquanto andava pelas bordas do palco – parecia pronto para outra luta. 

O alinhamento começou com Intruder, tema do último álbum com o mesmo nome, se revelou pulsante e energética – uma tendência crescente nos mais de 40 anos de carreira de Numan. Igualmente as canções mais industriais (gênero que já tem mais de duas décadas no seu repertório) ganharam bastante vida, montaram a maior parte da setlist, e encontraram um público muito mais animado. Músicas como My Name Is Ruin, Love Hurt Bleed, Halo e The Chosen foram recebidas com melhor entusiasmo que as clássicas Cars e Metal, do excelente e ímpar debut The Pleasure Principle. Mas houve um clássico que não ficou indiferente, quando Are ‘Friends’ Electric começou a tocar, a comoção era palpável – Gary girava ora no teclado, ora a interagir com os seus colegas de banda e com o público, mais sobretudo em pequenas e dramáticas coreografias – como toda vez que essa canção toca, é notório como ela transcende o tempo e se percebe porque foi tão revolucionária no seu tempo. Dito por alguém na plateia: “Eu não sei onde a música estaria sem o Gary Numan.” 

Placebo 

Quando já eram 22:40, a frente do único palco do festival e que receberia o próximo ato 30 minutos depois, começou a encher-se e era notório qual era a principal atração deste dia. Enquanto a tensão subia, se notavam pessoas que já estavam sentadas sobre o relvado no do meio público, a guardar lugar há horas, e outras que, entretanto, contavam as inúmeras excelentes experiências que tiveram com a banda ao vivo ou em estúdio. Uma delas era que em 2009, quando atuaram no Optimus Alive, agora NOS Alive, a banda permitia que quem tivesse o mais recente álbum editado na altura, Battle For The Sun, receberia um autógrafo no backstage. Um cenário que hoje em dia parece quase utópico para qualquer banda deste patamar. 

É inegável o quanto eles representam para uma legião de fãs que os tiveram como soundtrack da sua adolescência, mas é exatamente por este fator que a receção tenha sido maioritariamente morna. A maioria destes fãs esperava um alinhamento mais nostálgico – o normal de um festival – mas em contrapartida receberam mais de dois terços do concerto composto por canções dos seus últimos três álbuns, todos com uma receção crítica e pública muito longe da unanimidade. 

Cerca de um minuto antes da banda pisar o palco, a intro de Forever Chemicals, composta por sintetizadores circulares ecoava sobre o recinto, em seguida a banda entrou, e Brian Molko começava a embelezar o negativismo como é comum em suas letras “And it’s all good when nothing matters”, dizia. Seguiu-se por Beautiful James, surpreendentemente bem recebida, e encontrou alguma apatia em Scene of the Crime e Happy Birthday in the Sky. Além do quão lindo tudo soava em geral, Bionic, canção do seu debut, deu a muitos o primeiro traço de excitação. Mas tecnicamente na primeira parte do concerto, presenciamos o som falhar várias vezes, e vimos um Brian que ao invés de chatear-se como é comum, mostrava-se compreensivo, e muito pouco preocupado inclusive com a maré de telefones que volta e meia se erguia – um pet peeve que há muito é expressado, mas que tomou medidas mais drásticas no início desta tournée, chegando até mesmo a apreender telefones antes do arranque da gig. É de salientar que durante todo o concerto, carregavam bastante simpatia e entusiasmo – Brian dizia “obrigada” de forma recorrente, e Stefan Olsdal animava o público constantemente. 

Bem no corredor das últimas cinco músicas recebemos uma sequência digna de se perder a voz. For What It’s Worth aqueceu o caminho para o ponto mais alto do concerto, o combo de Slave to the Wage e The Bitter End deu ao público aquilo porque tanto ansiavam. E nele juntou-se Infra-Red que teve uma abordagem na linha do que eles têm feito recentemente – formando assim uma setlist que poderia ser chamada de tudo, menos dissonante. 

Para encerrar, uma habitual redenção de Running Up That Hill por Kate Bush. O inesperado hit do ano que deu à banda um maior destaque de alguns meses para cá, tanto que canções com letras consideradas “problemáticas”, foram definitivamente apagadas do seu catálogo online. Talvez nunca mais teremos letras tão arrojadas, mas sempre teremos o seu legado intocável. 

(Placebo não permitiu fotos)

Suede 

Uma hora após o início da madrugada, recebemos em palco os londrinos Suede, com uma energia não muito expectável para o horário. Era eletrizante, hipnotizante e inacreditável a energia que Brett Anderson emanava em palco. Girando o microfone, dançando e interagindo com o público o tempo todo, se revelou o melhor front-men da noite. A banda só desacelerou quando performou uma versão acústica de She’s In Fashion, em que o público cantava o refrão de forma apaixonada e com o coração aberto. Momentos altos na interação com o público foram destacados em Everything Will Flow, e sobretudo em The Drowners quando Brett desceu do palco e andou pelo meio do público como um verdadeiro Rockstar, deixando um quarto do suor do seu corpo nas mãos e até nos telefones desses fãs que ansiavam por este momento. 

Em termos de alinhamento, a banda deu o concerto saudosista que se esperava em Placebo, maioritariamente formado por grandes êxitos do seu repertório (que não são poucos). Canções do icónico álbum Coming-Up e do homónimo, foram as mais tocadas. Hits como Trash, Animal Nitrate e Beautiful Ones se depararam com um público que não parava de cantarolar. Mas até She Still Leads Me On – canção que fará parte de Autofiction, novo álbum que será lançado em pouco mais de duas semanas – não escapou deste fenómeno, já que por carregar a mesma qualidade das anteriores citadas, camuflou-se no alinhamento como se de outro grande êxito se tratasse. A banda voltou para um encore, e antes do remate final em New Generation, garantiu que voltaria a colocar os pés em terras lusas se o público português assim o desejasse. E não vemos a hora de tê-los de volta.

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