Retrospetiva: “Pink Moon” aos 50 e “Either/Or” aos 25

Não há muitos cantautores com uma influência tão palpável hoje em dia como Nick Drake e Elliott Smith. Os dois artistas até são frequentemente comparados, nem tanto por terem uma estética musical semelhante, mas mais, a meu ver, pelas emoções que conseguem espelhar nos seus trabalhos e que despertam nos que se apaixonam por eles. Ambos são dos mais destacáveis e reconhecidos singer-songwriters das suas respetivas épocas, e criaram trabalhos que exploram como poucos o estado de melancolia e depressão com uma notável maturidade e simplicidade. Infelizmente, ambos tiveram fins de vida trágicos, com Nick Drake a pôr fim à sua própria vida a 25 novembro de 1974, com apenas 26 anos, e com Elliott Smith a falecer a 21 de outubro de 2003, aos 34, num caso que ainda hoje permanece em investigação (tudo aponta para que a causa mais provável tenha sido mesmo suicídio).

Curiosamente, o álbum mais celebrado de cada um deles foi lançado no mesmo dia do ano – 25 de fevereiro -, com 25 anos a separá-los um do outro. Falo de Pink Moon, de 1972, e de Either/Or, de 1997, os dois clássicos de Nick Drake e Elliott Smith. A cada ano que passa, a influência de ambos os trabalhos e dos seus respetivos artistas torna-se cada vez mais evidente, bem como a apreciação pela arte que criaram em vida.

Em 2022, ano em que Pink Moon e Either/Or celebram os seus 50º e 25º aniversários, respetivamente, abre-se uma excelente oportunidade para relembrar o que faz destes dois trabalhos marcos extraordinários na carreira destes artistas e pontos altos das décadas em que foram lançados.

Nick Drake – Pink Moon

Género: Folk
Data de Lançamento: 25/02/1972

O curto percurso artístico de Nick Drake é interessante de analisar. Ao contrário de Elliott Smith, que acabou por ainda ver em vida o reconhecimento dos seus fãs e, por muito que, de alguma forma, não fosse algo que lhe deixasse confortável, o reconhecimento das massas, Nick Drake nunca teve isso. Passou praticamente despercebido ao longo dos 26 anos que viveu e dos 3 notáveis álbuns que lançou. Em vida, nunca conseguiu obter qualquer tipo de sucesso comercial ou mesmo algum interesse de nicho. Felizmente, o tempo tem feito justiça aos trabalhos de Nick Drake. Os seus dois primeiros álbuns, Five Leaves Left (1969) e Bryter Layter (1971) são, desde já, trabalhos que também merecem atenção e reconhecimento. Evidenciam a escrita de Nick Drake a contracenar com uma instrumentação mais rica, com excelentes resultados. Mas a joia mais brilhante do seu curto catálogo é, sem sombra de dúvidas, Pink Moon.

Parte do que torna o terceiro e último álbum de Nick Drake absolutamente único é o que consegue fazer com tão pouco. É um trabalho extremamente minimalista, intimista também, chegando ao ponto de ser inquietante até, composto quase só pela voz e pela guitarra acústica do artista britânico. É também curto em duração, com pouco mais de 28 minutos, com grande parte das faixas a não se estenderem para além dos 2 minutos. A juntar a isto tudo, o álbum demorou apenas duas noites a ser gravado, o que, por um lado, tendo em conta a sua simplicidade, não surpreende, mas quando se considera o resultado dessas sessões de estúdio, não deixa de ser no mínimo surpreendente e admirável.

As letras de várias faixas em Pink Moon podem ter interpretações ambíguas, porém, os seus temas são claros. O mundo que Nick Drake pinta é um mundo sem esperança, rodeado de isolamento e angústia, refletindo por completo o período de depressão que Drake ultrapassava. A title track, tema que, com o passar dos anos, se tornou no mais reconhecível da sua discografia, utiliza precisamente uma pink moon para, possivelmente, se referir à finitude da vida. Logo a seguir, Place to Be aborda a inocência da infância que se vai perdendo quanto mais se avança na vida e se é contaminado pelas vivências e conhecimentos que o mundo nos proporciona.

Por outro lado, temas como Parasite e Things Behind the Sun, a faixa mais longa do álbum, servem quase como uma fotografia do seu estado mental, da insignificância e exclusão que Nick Drake expressa com a natural delicadeza da sua voz e letras. Até momentos mais breves como Horn, a única faixa instrumental de Pink Moon, Road e Harvest Breed, ou mesmo temas mais crípticos como Know passam com facilidade as mensagens do álbum, servindo não só como pontes para as canções do álbum mais liricamente impactantes, mas como formas de reforçar a estranha beleza de Pink Moon. Por falar nesses momentos de maior impacto, Which Will aparenta até representar a rejeição que Nick Drake sentia em geral, mas pode bem circular à volta do fraco reconhecimento que tinha pela sua música na altura. Como despedida, From the Morning relembra o encanto dos pequenos prazeres da vida, um final agridoce tendo em conta o desfecho de Nick Drake, um artista e um homem que, infelizmente, só teve a sua merecida aceitação após a morte.

Elliott Smith – Either/Or

Género: Indie Folk
Data de Lançamento: 25/02/1997

1997 é um ano significativo na carreira de Smith. A principal razão é, obviamente, o álbum em discussão, Either/Or. Foi também em 1997, ano em que Either/Or foi lançado, que Elliott Smith teve um rápido crescimento de notoriedade, graças à inclusão de várias das suas músicas na banda sonora de Good Will Hunting, filme de Gus Van Sant. Para além de No Name #3 (do seu primeiro álbum, Roman Candle) e de Miss Misery, tema este que lhe valeu uma nomeação para o Óscar de Melhor Canção Original na edição do ano seguinte (e, diga-se, uma excelente atuação durante a cerimónia), são incluídos 3 temas de Either/Or: Angeles, Between the Bars e Say Yes.

É também por esta altura que se nota que Elliott Smith já não está focado na gravação de novos temas para os Heatmiser, banda de Portland que precede o início da sua carreira a solo e cuja sua dissolução ocorreu poucos meses antes do lançamento de Either/Or. Aliás, este é o primeiro álbum de Smith que não é lançado entre outros trabalhos do trio, algo que aconteceu com Roman Candle e Self-Titled, e o último gravado na sua cidade-natal, Portland.

Dos seus 6 álbuns de estúdio, Either/Or pode não partilhar a crueza e a forte aposta em texturas lo-fi do Self-Titled ou a ambição de XO (muita dela derivada da passagem para uma editora de maior renome, neste caso a DreamWorks, e de um maior orçamento para a gravação do álbum) e de Figure 8, mas o grande feito de Either/Or é que Elliott capitaliza por completo aquela que é a sua maior valência – a sua escrita. É um trabalho incrivelmente uniforme, tanto em termos sónicos como em termos da qualidade das faixas. Falta acrescentar que todos os instrumentos ouvidos ao longo das 12 faixas são tocados por Smith, um pouco à semelhança do que ocorreu com o já discutido Pink Moon de Nick Drake, e que uma grande maioria destas utilizam a técnica de double tracking, extremamente notável na sua voz.

O primeiro single de Either/Or, Speed Trials, serve também como um excelente pontapé de saída do álbum. É provavelmente o momento do álbum que mais faz lembrar as sonoridades dos seus trabalhos anteriores, muito provavelmente por ter sido gravado numa four-track cassette. Delimita logo à partida os tons sombrios que marcam grande parte do álbum.

É também importante salientar que tanto existem temas unicamente acústicos como outros que, com a mestria de Smith, mais se assemelham a gravações com uma banda inteira. Rose Parade e No Name No. 5, por exemplo, bebem da sua simplicidade, compostas só pela voz e guitarra do artista, enquanto Cupid’s Trick e Punch and Judy beneficiam da adição de mais alguma instrumentação.

São também muitos os murros no estômago que Elliott Smith oferece em Either/Or, desde a angustiante exploração do medo de rejeição em Alameda, da procura de um escape para o sofrimento descrito em 2:45 AM, da fama e dos seus condicionantes em Angeles ou, finalmente, dos perigosos julgamentos que também se podem aplicar a nós mesmos em Pictures of Me. Com Ballad of Big Nothing, o segundo single de Either/Or, e Between the Bars, possivelmente a sua música mais celebre, Elliott Smith explora os efeitos inicialmente positivos, mas posteriormente negativos das drogas e do álcool, a ilusão de liberdade e esquecimento, uma forma de fugir da realidade, um ciclo vicioso que descreve de forma arrepiante. Say Yes, o tema que encerra Either/Or, é quase como a luz ao fundo do túnel num álbum que é maioritariamente difícil de assimilar, ou mesmo de engolir, uma forma algo esperançosa e doce de concluir um álbum absolutamente transcendente.

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