O último dia do NOS Primavera Sound 2022: a cura para a ressaca de grandes festivais
Para encerrar a 9º edição do NOS Primavera Sound, o Parque da Cidade do Porto teve novamente casa cheia para receber os cabeças-de-cartaz Gorillaz e Interpol, num dia em que o hip-hop também vingou com os concertos de Little Simz e Earl Sweatshirt.
O sol ainda batia bem alto quando, no Palco Cupra, começamos o terceiro dia ao som dos Dry Cleaning. O quarteto londrino veio ao Porto apresentar New Long Leg. Neste seu 1º álbum, “repetição e êxtase rapidamente entram em conflito com arbitrariedade, o absurdo com a mundanidade” e a base inicial de post-punk consegue conviver com a forte aposta em passagens de spoken word. Sempre muito fiéis ao material original, recuperaram ainda alguns temas dos seus dois primeiros EP’s, como Viking Hair e Magic of Meghan. Florence Shaw (vocalista) exibe uma aura quase misteriosa e alienada em palco, mas também passa por aí parte do carisma dos Dry Cleaning. O guitarrista Tom Dowse, por outro lado, não escondeu o seu entusiasmo. Festejava a estreia do grupo em terras lusitanas com gritos de guerra, erguia o punho no ar e apontava empolgado para a plateia. Para compor este exercício de empatia e proximidade, Shaw dedicou Strong Feelings a um outro Pedro (que não os da audiência). Já antes de More Big Birds, Florence relembrou a recém-falecida Paula Rego. “She’s a legend!”, declarou. Para fechar, Scratchcard Lanyard incendiou as camadas humanas mais chegadas às grades. Foi visível que a própria banda – e sobretudo Florence Shaw – estava emocionada e até algo espantada com a receção enérgica do público. Para tours futuras, os Dry Cleaning têm em Portugal um porto seguro!
O orgulho e a dualidade de David Bruno

Após as votações que fizemos na semana passada nas nossas stories, ficou bem claro que a grande massa dos nossos followers tem um fascínio exacerbado por David Bruno. Por isso, enquanto andava por Dry Cleaning, a Diretora da CONTRABANDA, Ana Duarte, foi cobrir o concerto e deixa-nos a seguinte nota:
Sobre David Bruno, volto a repetir: já lemos várias vezes que teria “orgulho em ser considerado um artista popular português”, mas é sem dúvida, muito mais do que isso. Há toda uma composição musical nos seus temas bastante mais trabalhada do que em qualquer músico popular tuga. Este apoiante incondicional de Miramar, é dotado de uma inteligência para a composição musical, bem acima dos seus pares e ele sabe disso. Não é tudo pura comédia, mas sim, tudo trabalhado ao pormenor para atingir aquele balanço entre o idóneo e o escárnio musical.
Nem se deixar abalar por uma adversidade técnica que condicionou ligeiramente o início do concerto. Em tom de “a vida é um problema técnico”. Contudo, não se fez notar sozinho. Já sabemos que podemos sempre contar com a mestria de Marquito (Marco Duarte) na guitarra e com António Bandeiras (Renato Cruz Santos), que para além de DJ, é um hábil sedutor e distribuidor de rosas para qualquer membro do público.
Ana Duarte, Diretora CONTRABANDA
É inquantificável o quanto nos enche o coração a celebração de temas como “O Último Tango em Mafamude”. Num festival tão internacional, é um prazer imenso ouvir toda uma plateia a ecoar bem alto nomes das localidades mais icónicas do nosso Porto!

Perto da hora de jantar, deslocamo-nos ao Palco Binance para o concerto de Jamila Woods, uma das poucas amostras de R&B na edição deste ano. Natural de Chicago, a cantora centrou-se no material do seu segundo disco, LEGACY! LEGACY!, forte em neo-soul e em homenagens a figuras históricas que marcam a sua identidade. As interpretações dos temas desse mesmo álbum, bem como do seu antecessor HEAVN, fizeram-se de muito groove. A voz suave de Woods e a sua poesia disfarçada de música centrou todas as atenções. Contudo, o quarteto de músicos que a acompanhou também contribuiu para a dinâmica do concerto, com cada um deles a ter direito a um “solo” para brilhar. Outro fator determinante para o sucesso foi a própria plateia, com a artista a confessar que para além de uma excelente energia, dominavam igualmente a componente do ritmo. GIOVANNI e BASQUIAT maravilharam quem estava pregado ao seu set, que ainda incluiu breves passagens alusivas a Fall in Love dos Slum Village e Smells Like Teen Spirit dos Nirvana.
A coroação de Little Simz
Porém, o melhor concerto da noite e talvez de toda esta edição ficou a cargo de Little Simz. A rapper londrina, foi mais uma das estreias ao vivo em Portugal deste terceiro e último dia do NOS Primavera Sound. Num Palco Cupra com uma maré cheia de fãs, referiu que, como nunca tinha cá estado, tinha que estar “in the zone”. Se foi a lasanha vegetariana que comeu, o cigarro que fumou ou o passeio pelo “lindo cenário” da cidade do Porto que a moralizou, nunca saberemos. Inegável é que Simbi foi um autêntico class act bem merecedor dos sucessivos aplausos e cânticos que recebeu de troco. Levou-nos a revisitar a estonteante epopeia de Sometimes I Might Be Introvert, o terceiro melhor álbum de 2021 para a CONTRABANDA, mudando por vezes o foco para GREY Area, outro dos álbuns que a confirmou como um dos nomes maiores do panorama atual do hip-hop. Começou desde cedo a conduzir a plateia de forma exemplar com a majestosa Introvert. Daí em diante, a energia foi crescendo e o público ficou ainda mais rendido à sua mestria e atitude. Juntou-se à sua banda nos instrumentos e dedicou-se ao sintetizador com Speed, dançou com o público ao som de Rollin Stone e Point and Kill, bem como incitou mosh pits vigorosos com 101 FM e Venom, que rivalizam com aqueles que testemunhámos na atuação dos black midi na quinta-feira. O talento e a introversão de Simbi, tocou quem se rendeu à sua lírica e, honestamente, já ninguém lhe tira a coroa que tanto merece.
No que ainda faltava da noite, a curiosidade e o ecletismo falou mais alto e decidimos espreitar vários palcos de forma mais casual. Os Interpol assumiram o Palco NOS perante uma plateia praticamente adormecida. Pareceu um déjà vu da última vez que se cruzaram com o festival em 2019, numa réplica agora redimensionada para um cenário maior. Se nem Untitled, Evil ou C’mere conseguiram arrancar algum entusiasmo, não sobrava esperança para o resto do concerto. Para tristeza de quem venera o catálogo da banda, os Interpol voltaram a não justificar ao vivo, o legado que têm.
Enquanto DJ Firmeza resumia as comemorações do 10º aniversário da Príncipe Discos no Palco BITS, o Palco Cupra compunha-se aos poucos para ver o DJ set da canadiana Grimes. A sua sessão peculiar em Ibiza para a Boiler Room tornou-se, com o passar do tempo, icónica e, a partir daí, esta faceta alternativa de Grimes ganhou o seu próprio culto. No Porto, conjugou drops típicos da música techno com Creep dos Radiohead ou Orinoco Flow de Enya, tocou GOOD PUSS de COBRAH ou Mooo! de Doja Cat e implementou mesmo faixas suas pelo meio desta sequência. Não esqueceu All I Want for Christmas Is You de Mariah Carey, que já é um clássico dos seus DJ sets, e que mostra que até os concertos podem ser levados com algum tom de brincadeira e ironia.
O esplendor dos Gorillaz

Porém, o grande motivo da sobrelotação sentida no Parque da Cidade foram mesmo os Gorillaz. Mesmo um pouco distante do Palco NOS, a pressão e o calor humano eram bem maiores do que o habitual e justificava-se, por vezes, a sensação de sardinha enlatada, numa plateia onde não seria difícil perder a noção de segurança a qualquer momento. Uma hora para lá da meia-noite e Damon Albarn assume o controlo do navio com um elenco de convidados invejável e uma banda igualmente gloriosa. Com uma sequência cuidada e representativa das várias eras artísticas de 2-D, Murdoc, Noodle e Russel, vibrou-se ao som de Strange Timez, Last Living Souls ou Rhinestone Eyes e ficou-se a conhecer Cracker Island, um futuro single prestes a sair nas plataformas digitais. Antes de migrarmos para o Palco Binance, Beck, que tinha assumido o lugar de cabeça-de-cartaz no dia anterior, juntou-se a Albarn para a estreia de The Valley of the Pagans na presente digressão dos Gorillaz. Se pusermos de parte o incidente técnico na reta final do concerto que impossibilitou de terminar os últimos minutos da sua atuação, deve ter sido um concerto majestoso do início ao fim, que, infelizmente, se sobrepôs a mais dois atos extremamente apetecíveis.
Naquele que talvez tenha sido o maior infortúnio deste último dia do NOS Primavera Sound, os britânicos Squid e o norte-americano Earl Sweatshirt tiveram de lutar pela atenção de quem festejava com a banda imaginária fundada por Damon Albarn. Apanhamos o final da atuação dos Squid, que, com tristeza, estava a tocar num Palco Binance pouco preenchido. Se o resto da performance foi tão imponente quanto Narrator, então pode-se mesmo dizer que uma das bandas de post-punk mais promissoras do momento teve uma estreia azarada em território nacional. Esperemos que voltem no futuro e que sejam recebidos com uma enchente.
O hip-hop ininteligível de Earl Sweatshirt
Felizmente, o rapper Earl Sweatshirt teve um pouco mais de sorte no que toca à dimensão do público. O produtor Black Noi$e aqueceu os ânimos com um DJ set de 15 minutos composto por temas de Kendrick Lamar e Playboi Carti, entre outros. Mas quem todos queriam realmente ver era Thebe Kgositsile e, quando este surgiu discretamente pelas laterais onde também se via Archy Marshall, Jamila Woods ou os próprios Squid, a plateia recebeu-o com ovações e arrepios. O que se seguiu foi uma sucessão hermética de canções. Thebe não se cansou de rimar por cima dos instrumentais introspetivos e abstratos que Black Noi$e rodava. Porém, não aparentava estar ao seu melhor nível: se o conteúdo do tweet que publicou em antecipação ao concerto for verídico, poderá estar aí a causa para alguma fraqueza. No entanto, são tão poucas as oportunidades para, em Portugal, ver alguém tão marcante no quadro do hip-hop que qualquer fã consegue fazer vista grossa a estas adversidades. Enquanto Earl debitava temas de Some Rap Songs, como The Mint, Ontheway! ou The Bends, e de SICK!, o seu mais recente trabalho, os fãs ecoavam os versos com uma dedicação assinalável. Voltou-se a tempos mais longínquos com Grief e Molasses e deu para levitar ao som de E. Coli, faixa produzida por The Alchemist. Para quem vive o hip-hop como os fãs que se apresentaram no Palco Binance, não podia ter havido uma maneira mais comovente de encerrar este terceiro e último dia de concertos no Parque da Cidade do Porto.

Com um recorde de audiência nestes três dias, superando o marco das 100 mil pessoas (de acordo com a organização), ainda não há nenhuma data adiantada para a 10ª edição do NOS Primavera Sound. Contudo, é garantido que o festival regressará em 2023, com um novo cartaz e com muita música para animar o recinto do Parque da Cidade. Fiquem atentos às nossas redes sociais e às próximas reviews.
Agora temos uma parceria de media partner com o Palco das Artes, e a nossa Diretora está encarregue de revolucionar todo o conceito do mesmo. Para além disso, fiquem atentos às restantes novidades de parcerias com outros meios de Press Musical que aí vêm. Por cá, o lema é: PRESS APOIA PRESS! #staytuned