O primeiro dia do NOS Primavera Sound 2022: como pôr fim à saudade de grandes concertos

O longo e prolongado hiato causado pela pandemia terminou, e os festivais de verão estão finalmente de volta! A abertura da 9ª edição do NOS Primavera Sound ficou marcada por vários retornos aos jardins do Parque da Cidade no Porto, como Nick Cave and the Bad Seeds, Sky Ferreira e Cigarettes After Sex, mas os grandes destaques do primeiro dia de festival vão para black midi, Caroline Polachek e Tame Impala.

NOS PRIMAVERA SOUND 2022 _ © Hugo Lima | hugolima.com | www.fb.me/hugolimaphotography | instagram.com/hugolimaphoto

Após dois anos, que colocaram o setor da cultura em pausa, é bizarro voltar aos hábitos de uma era pré-covid e seguir em frente, tal como foi atípico passar os anos de 2020 e 2021 sem poder voltar a deixar a música entrar dentro do recinto habitual do NOS Primavera Sound. Felizmente, este regresso aos convívios e às danças não podia ter sido mais satisfatório. A antecipação para voltar a viver momentos inesquecíveis nos jardins do Parque da Cidade do Porto era enorme e este primeiro dia da 9ª edição do NOS Primavera Sound não desapontou.

Os passes diários, tal como os gerais, esgotaram e, usando uma expressão bem popular, este “mar de gente” fez-se sentir.

SPELLLING @ NOS PRIMAVERA SOUND 2022 _ © Hugo Lima | hugolima.com | www.fb.me/hugolimaphotography | instagram.com/hugolimaphoto

Depois de uma curta visita ao Primavera Market e às zonas de merchandising, começamos o dia a ouvir a californiana Chrystia Cabral, amplamente conhecida como Spellling (com 3 l’s, salientou), no Palco Super Bock, que foi anunciada com menos de um dia de antecedência como uma exímia moeda de troca pela britânica Georgia. O art pop cósmico de The Turning Wheel, um dos lançamentos mais amplamente celebrados de 2021, foi o foco do concerto, com a meticulosidade dos seus temas a transparecer por completo do estúdio para a atuação. O próprio encanto por este seu terceiro disco fez-se sentir nas filas da frente e Chrystia Cabral assim o reconheceu. “I love to see some of you singing the songs from the album”, afirmou a cantora. Transportou-nos para o seu conto de fadas maximalista, com bem menos orquestração à mistura e mais foco no poderio da sua voz, que conseguiu, de igual forma, recuperar canções de Mazy Fly, como Under the Sun.

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Mais tarde, a australiana Stella Donnelly aterrou no palco NOS às 19h30, como mais uma substituta deste primeiro dia de festival, visto que esta edição sofreu uma baixa de peso com o cancelamento de Japanese Breakfast. O mesmo já se tinha sucedido há três anos em Paredes de Coura (e pode não estar acostumada a atuar em palcos desta proporção, desabafou), mas isso pouco importa quando se tem uma artista tão recheada de carisma a atuar. Houve “Norah Jones shit” com Mosquito e uma elaborada coreografia ao som de Die, temas saídos do seu álbum de estreia de 2019, Beware of the Dogs. Se muito deu que entreter a uma multidão ligeiramente composta com uma cover de Love Is In the Air, a sempre relevante Boys Will Be Boys foi tudo menos um “party starter”, colocando alguma seriedade no meio de um espetáculo, que, nos tempos que correm, é totalmente necessário. Com um novo álbum mesmo à porta (Flood é o seu nome), não esqueceu ainda Lungs, single de apresentação deste seu segundo trabalho de estúdio que sai já em agosto. 

SKY FERREIRA @ NOS PRIMAVERA SOUND 2022 _ © Hugo Lima | hugolima.com | www.fb.me/hugolimaphotography | instagram.com/hugolimaphoto

Enquanto alguns desfrutavam do seu jantar no Food Court, a repetente Sky Ferreira partiu corações no Palco Super Bock. Tudo apontava para um retorno aos palcos em êxtase, mas as adversidades não demoraram muito a surgir. Para o desgosto de uma legião de fãs que tanto gritou pelo seu nome ainda antes de pegar no microfone, a artista californiana de ascendência portuguesa e brasileira atrasou-se cerca de 20 minutos e limitou-se aos serviços mínimos antes do seu set ter sido cortado após 6 canções. Não criou laços fortes com a plateia, sendo que a sua frase mais longa foi mesmo “i’m being kicked out of the stage”. Vendo o seu curtíssimo concerto por uma lente menos negativa, as faixas de Night Time, My Time, o seu álbum de estreia de 2013 que ainda aguarda um sucessor, que conseguiram ser tocadas, como 24 Hours, You’re Not the One e Nobody Asked Me (If I Was Okay), puseram muitos a vibrar, bem mais do que Don’t Forget e Innocent Kind, que foram uma estreia absoluta em concertos da artista. No entanto, ficamos com um gosto amargo, tendo em conta que isto seria o fim a uma longa pausa de 9 anos sem um novo disco, e não foi de todo a melhor forma para iniciar uma nova tour.

O regresso de Nick Cave e os sublimes black midi

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Ao anoitecer, surgiu o primeiro peso-pesado deste dia inaugural. A 9 de junho de 2018, Nick Cave and the Bad Seeds foram cobertos por uma maré de lágrimas e um céu de chuva, mas tornaram uma noite adversa naquele que foi, para muitos, um dos concertos mais inesquecíveis desse mesmo ano em território nacional. Agora, e pela terceira vez na história do festival, Nick Cave voltou a atuar no palco principal do NPS, perante mais uma impressionante onda humana que sofreu e chorou a seu lado. Com uma presença em palco inigualável, e sempre apoiado por um coro fascinante e pelos inseparáveis Bad Seeds, percorreu o Palco NOS de uma ponta à outra, partilhou emoções e toques com as filas da frente e atirava-se de novo para o piano numa constante procura por uma cura para o sofrimento. Correu várias fases do seu respeitável catálogo artístico e a audiência cantou com ele ao som de Get Ready for Love ou O Children. Enquanto uma seleção de temas de Ghosteen trouxeram, mais uma vez, o trauma para primeiro plano, ainda foi possível ouvir Carnage, tema que deu nome ao último trabalho colaborativo entre Nick Cave e Warren Ellis.

“Thank you very much, fucking portuguese people!”, enunciou ainda no início do concerto. Nós é que agradecemos!

Infelizmente, surgiu aqui a primeira indecisão da noite. Será que abdicar da última porção deste purgatório de Nick Cave and the Bad Seeds trará algum arrependimento? Todavia, algo nos fazia prever que o concerto dos black midi iria elevar ainda mais a fasquia: e assim foi. O quinteto britânico, que infelizmente não contou com o saxofonista Kaidi Akinnibi, instalou o caos no Palco Binance que tão subtilmente comandaram. A voz e guitarra de Geordie Greep ou a explosividade da bateria de Morgan Simpson rasgaram como arame farpado durante cerca de uma hora, propagando uma energia sem igual. No entanto, o que mais trespassou foi o quanto a banda e o público se estavam a divertir. Numa sequência praticamente ininterrupta, rodaram entre o math rock abrasivo de Schlagenheim e o jazz rock desorientante de Cavalcade. A imersão do público foi tal, que, junto às grades, chegou-se a ouvir uns quantos fãs a ecoar a melodia introdutória de John L ou de 953 com um entusiasmo absolutamente contagiante. Mais intrigante ainda foi poder espreitar uma nova página da banda londrina – e se o resto de Hellfire soar como Welcome to Hell ou Eat Men Eat, teremos aqui mais um deslumbre de um álbum! Já desde o concerto de Tyler, the Creator em 2018 que não terminava um concerto neste recinto com uma peculiar mistura de serotonina e muito pouco fôlego.

A calma depois da tempestade e um novo dilema

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Para apaziguar esta poderosa dose de adrenalina, a melhor solução foi mesmo rendermo-nos à placidez dos Cigarettes After Sex no Palco Cupra pouco antes da meia-noite. Estes já conhecem os cantos à casa. Variaram entre temas do self-titled ou do seu mais recente longa-duração, Cry (2019), como Crush ou Sunsetz. Com uns adequados fundos a preto e branco, tais rendições foram, indiscutivelmente, fiéis às versões de estúdio, mas cumpriram o trabalho de enternecer as centenas de pessoas que quiseram ir de encontro à sensualidade da sua música.

Para fechar o primeiro dia do NOS Primavera Sound 2022, surgiu um dos dilemas mais polémicos da presente edição, que acaba por ser inevitável quando se tem um cartaz de artistas tão variado. Opta-se por uma das principais faces de uma nova e refrescante vanguarda da música pop ou pelo principal propulsionador do psychedelic pop na década passada, com um catálogo invejável em sua defesa? Perante um clash destes, tenta-se encontrar um meio-ponto.

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Viremos as atenções, em primeiro lugar, para Caroline Polachek, que subiu ao palco Binance cinco minutos antes de Tame Impala fazer o mesmo no palco NOS. Polachek também não é uma absoluta desconhecida no histórico do festival. Ainda em 2016 se apresentou aqui com Patrick Wimberly – à época, os Chairlift ainda estavam bem vivos. Entretanto, iniciou a sua carreira a solo e o resto está à vista de todos. Pang, o seu magnífico primeiro álbum, ocupou uma porção considerável do espetáculo. Fale-se da euforia de Ocean of Tears, Bunny Is A Rider e So Hot You’re Hurting My Feelings – que fechou o concerto com chave de ouro – ou do encanto de Door e Billions, a voz singular e frequentemente divinal de Caroline é capaz de hipnotizar qualquer um. Parachute, o momento mais intimista da setlist, que surgiu de um sonho tido em 2017 (como fez questão de referir), arrancou aplausos fervorosos e arrepios mais do que justificados. Junte-se a isso uma presença em palco quase angelical e um cenário que nos transporta por completo para a estética de Pang e está aqui uma receita vencedora. Com um segundo álbum a caminho, decidiu, além do mais, seduzir os seus súbditos com uma amostra do que ainda está para vir, com Smoke e Sunset a serem novamente rodadas nas suas atuações ao vivo. “I love being alive and I love being here”, afirmou Polachek. Não podia estar mais correta. São estes espetáculos que tornam este festival num lugar especial.

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Mal a norte-americana fechou as hostes no Palco Cupra, foi altura de correr para aproveitar a segunda metade dos titãs australianos Tame Impala. Com um extraordinário jogo de luzes, grafismos extravagantes e uma “nave espacial” colossal a sobrevoar Kevin Parker e a sua banda de suporte, utilizaram esta fase do concerto para retornar a um invejável leque de êxitos. Let It Happen ou Feels Like We Only Go Backwards foram recebidos com cânticos que, por vezes, se faziam ouvir mais do que o próprio Kevin Parker. Contudo, um concerto destes merecia ter tido um volume mais elevado e isto tem sido uma crítica recorrente há anos nas performances de Kevin e amigos, que ninguém parece interessado em melhorar. Numa nota mais positiva, usou-se a máquina do tempo para voltar a Innerspeaker com Runway, Houses, City, Clouds. Entre canções, Parker confirmou a Super Bock como o sabor de Portugal, e, para o encore, encerrou o primeiro dia da melhor maneira: tivemos direito a The Less I Know the Better e New Person, Same Old Mistakes, ambas do enigmático Currents, confettis e uma explosão de alegria.

É claro que, nestes quebra-cabeças, ninguém sai a ganhar, ainda mais quando, pelo que pudemos observar, ambos os artistas estiveram ao mais alto nível e fizeram vibrar, à sua maneira, os muitos fãs que passearam pelos jardins do Parque da Cidade nesta quinta-feira soalheira. Caroline Polachek, principalmente, merecia ter tido uma plateia maior ao seu dispor, mas estes também são os infortúnios deste tipo de clashes num evento desta magnitude.

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No segundo dia do festival portuense (10 de junho), atuam os cabeças-de-cartaz Beck e Pavement, ao lado de artistas como os 100 gecs, King Krule, Rina Sawayama ou Slowdive. Fiquem atentos às nossas redes e às próximas reviews!

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