Big Thief no Lisboa ao Vivo: “It’s a little bit magic”

O quarteto norte-americano regressou ao Lisboa ao Vivo, três anos após a última passagem por Portugal, para encerrar a sua digressão europeia com chave de ouro. Entre o destaque dado ao mais recente Dragon New Warm Mountain I Believe In You e os clássicos do seu repertório passado, os Big Thief envolveram um recinto completamente lotado numa celebração inesquecível de todo o seu esplendor. A primeira parte do concerto ficou a cargo de Lutalo, que veio apresentar o seu último EP, Once Now, Then Again.

Magia. Tem tanto de inexplicável como de encantador. É o que, por vezes, justifica o que nos aparenta ser místico, surreal. É o tipo de fenómeno que parece difícil de traduzir em palavras, de pôr em prática, e, ainda assim, os Big Thief lá se tornaram mestres neste ofício. Já são cinco os álbuns de estúdio no repertório de Adrianne Lenker, Buck Meek, Max Oleartchik e James Krivchenia enquanto quarteto, todos eles preciosos à sua maneira. O que os guia, porém, nunca muda. A música dos norte-americanos está e sempre esteve apaixonada por tudo o que a rodeia: as experiências que nos unem enquanto pessoas, a beleza dos sentimentos que vamos partilhando, as maravilhas da natureza humana. É o que dá forma à sua genialidade e parte do que fez o seu mais recente álbum, Dragon New Warm Mountain I Believe In You, “uma espécie de milagre musical”, uma viagem heterogénea de 20 faixas e 80 minutos que desvenda toda uma panóplia de ideias e explorações refrescantes, bem para além das raízes mais acústicas do grupo, fazendo deste “o trabalho mais aventureiro e ambicioso dos Big Thief” até ao momento.

Para quem já se deixou afetar pelos feitiços do grupo, não é difícil de imaginar o que motiva as enchentes que temos vindo a testemunhar na atual digressão europeia. Este regresso a Portugal e ao Lisboa ao Vivo, no passado dia 29 de abril, não foi exceção. Ainda Lenker aparecia de surpresa para introduzir Lutalo, convidado de honra para a primeira metade da noite, e já se sentia na sala essa tal magia em pleno andamento. Quem lá esteve, sabe do que se trata. De pouco importa qual foi o momento-chave para cada um dos presentes: se foi o trio libertador de Change, Dried Roses e Certainty, ou a revisitação de temas incontornáveis, como Shark Smile, Masterpiece e Not. A certa altura, todos o sentimos. Um aperto, as emoções a virem à flor da pele. Não seria um concerto dos Big Thief sem esta onda de vulnerabilidade, que faz a ponte entre a banda e a plateia, e que nos enche de vida.

No cerne desta fogueira acolhedora (um pouco à semelhança da capa do último disco), também reina a espontaneidade. Ao longo de cerca de hora e meia, o quarteto vai explorando os diversos recantos da sua discografia, sempre sem quebrar o ritmo ou a confiança com que atuam, inteiramente ao serviço do mood da sala que têm ao seu dispor e dos sentimentos que vão transparecendo em cada um dos seus temas. Nem mesmo os problemas técnicos com a guitarra de Buck Meek, que atrasaram ligeiramente o início do espetáculo, afetaram o que foi, de resto, uma experiência quase transcendente. Mas é nas quebras deste profissionalismo inegável dos Big Thief que também nos deixamos enternecer pela sua humanidade. As trocas de sorrisos entre os membros, os instantes em que Lenker sai da sua bolha retraída para dar uns passos de dança desinibidos. Nada supera, no entanto, a atuação da eternamente bem-humorada Spud Infinity, já no encore. Com Noah Lenker (irmão da vocalista) no berimbau, a equipa técnica e Lutalo a juntarem-se a esta despedida improvisada aos palcos europeus, sente-se aqui, sobretudo, o espírito de família que transparece em toda a equipa, uma afinidade impossível de camuflar.

Das restantes faixas de Dragon New Warm Mountain I Believe In You, são notáveis os arranjos feitos para este contexto. Aliás, é precisamente neste formato que melhor representam a sua faceta mais rock. Pegue-se como exemplo máximo a faixa-título deste último disco. Os arranjos quase etéreos da versão de estúdio são aqui descartados em favor de guitarras ásperas e ritmos rompantes. E se Simulation Swarm e Certainty também trazem estes tons mais elétricos e incandescentes para a dianteira, então Flower of Blood joga (e bem) pelo seguro, mantendo a mesma intensidade da versão original, quase a roçar o shoegaze. Ainda que tal rumo seja já um ponto assente nas atuações do grupo, a banda faz questão de o vincar desde os primeiros instantes que estão ao leme do concerto. Também aqui se revela, novamente, o poder transformador da sua música. Estas versões refinadas não só vêm colocar tinta fresca em canções que já damos por conhecidas, como vêm mesmo moldá-las em algo completamente distinto dos originais.

A encabeçar uma amostra de novos temas, tivemos Vampire Empire e Born For Loving You. Ainda que sob este rótulo de work in progress, alguns dos ingredientes distintivos do grupo continuam expostos: as explorações do amor e da intimidade, as extasiantes explosões de emoção, sempre comandadas pelas deslumbrantes letras de Adrianne Lenker, um verdadeiro talento geracional. É, ironicamente, ao espreitar o que ainda se segue no caminho que alguns se podem perder na nostalgia das últimas visitas do grupo ao nosso país. Em fevereiro de 2020, tanto no Lisboa ao Vivo como no Hard Club (Porto), já iam desvendando algumas das maravilhosas investidas de Dragon New Warm Mountain I Believe In You. As incertezas e contingências causadas pela pandemia acabaram por ditar uma espera de dois longos anos até que os seus temas vissem a luz do dia (e mais 14 meses para voltarem a cruzar rotas com o público português). O tempo, contudo, recompensa os pacientes e a noite de sábado passado é a prova viva disso mesmo. Não é por acaso que o quarteto se afirme como uma das bandas mais prolíficas no ativo. Não é por acaso que consigam replicar e até reforçar o seu fascínio num formato ao vivo. E não é por acaso que a sua arte conquiste tantas almas. Entre a reação fervorosa dos muitos fãs que quiseram recebê-los de braços abertos e a promessa de um futuro igualmente majestoso, a magia dos Big Thief não se esgotará tão cedo.

Após esta passagem por Lisboa, os Big Thief rumarão de novo aos Estados Unidos da América e ao Canadá nos próximos meses de julho e agosto, para mais uma série de concertos de apoio ao seu mais recente álbum, fazendo-se acompanhar, desta vez, por Nick Hakim e Lucinda Williams.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *