The National no Super Bock Arena: Uma carta de amor em jeito de maratona

No primeiro de três concertos em Portugal da atual digressão europeia, os norte-americanos voltaram ao Porto para presentear um recinto lotado com uma absoluta tour de force de quase três dezenas de temas da sua discografia, percorrendo os clássicos do passado e as composições que encabeçam os dois últimos trabalhos do grupo liderado por Matt Berninger, First Two Pages of Frankenstein e Laugh Track, ambos editados em 2023. A primeira parte do espetáculo ficou a cargo de Bartees Strange.

Os The National atravessam um dos capítulos mais singulares da sua longa vida artística. Ao fim de 24 anos de carreira, são poucas as dúvidas acerca da sua universalidade e muito menos as relativas ao seu impacto incalculável nas últimas duas décadas do panorama rock norte-americano. Os inúmeros êxitos que têm em seu nome vão ganhando, ano após ano, uma escala hínica, capaz de convencer fãs de todas as idades pela via do existencialismo contemporâneo, tão explícito nas letras de Matt Berninger e, talvez por isso, tão transgeracionais. O portento dos The National ganhou, aliás, novos contornos com o virar da década, tendo Aaron Dessner  caído nas boas graças de Taylor Swift e, consequentemente, de toda uma nova audiência de fãs, graças à produção embelezada dos seus dois trabalhos pandémicos, Folklore e Evermore. A contrastar com um novo pico de comercialidade, surge First Two Pages of Frankenstein, o primeiro de dois lançamentos da banda em 2023, um dos mais colaborativos até ao momento – para além de Swift, destacam-se as presenças de Sufjan Stevens e Phoebe Bridgers – e também ele fruto, em parte, das contingências de uma crise sanitária e dos bloqueios criativos de Berninger. A par do seu disco-gémeo, Laugh Track, editado há pouco menos de um mês, espelham muitas das crescentes insuficiências do seu repertório pós-Sleep Well Beast: tocante e instrumentalmente refinada, mas demasiado uniforme e pouco volátil para criar o mesmo impacto de glórias passadas. Quando comparado com um High Violet, um Boxer ou até mesmo um Trouble Will Find Me, fica mais do que visível que os The National do presente correm o risco de se tornarem num cliché de si mesmos, preferindo, para o bem e para o mal, jogar pelo seguro.

Fotografias da Autoria de Bruno Ferreira @ DIREITOS RESERVADOS

Tendo em conta, contudo, as múltiplas pérolas da discografia de Berninger e companhia, torna-se simples de visualizar uma The Eras Tour ao estilo dos The National. Os clássicos são infindáveis, não faltando, de igual forma, uma legião de fãs ávidos que vêem em cada reencontro ao vivo uma oportunidade de se apaixonarem pela banda como se fosse a primeira vez. Em Portugal, diga-se, são especialmente acarinhados. Utilize-se as palavras do vocalista como prova viva desta sinergia: “Os portugueses gostam da nossa música porque estão todos excitados e deprimidos”. Afinal, são quase tantas as passagens por solo nacional como os anos em que o grupo permanece no ativo. No Porto, a longa ausência de concertos alimentou (e muito) o que prometia ser, logo à partida, uma noite monumental, saudosista e feita, acima de tudo, com uma casa cheia de admiradores incansáveis. Nove anos após terem integrado o cartaz do Primavera Sound Porto, coube ao Pavilhão Rosa Mota acolher a atual (e ambiciosa) digressão dos norte-americanos, que, apesar do mote do material mais recente, procura aqui enaltecer a plenitude do seu legado: dos tesouros dos “tempos medievais” às composições que iluminam First Two Pages of Frankenstein e Laugh Track, como Bryce Dessner fez questão de salientar.

Após um arranque inicial composto por temas novíssimos, foi a sequência de Demons, Sea of Love e Bloodbuzz Ohio que realmente aqueceu os ânimos do recinto. Já se faziam notar, com enorme clareza, os refrões cantados em uníssono, mas, sobretudo, a facilidade com que a banda conseguiu colocar o público inteiro ao seu dispor, permanentemente rendidos ao charme e à espontaneidade de Berninger ao longo de praticamente duas horas e meia de espetáculo. Sendo este um desafio possivelmente indolente, tendo em conta os tons maioritariamente brandos da banda sonora, o quinteto soube tirar proveito da sua presença alargada sem torná-la hostil, presenteando os fãs de longa data com uma amostra de quase todos os recantos do seu catálogo. Berninger, sempre muito fiel aos originais, soube gozar da instantaneidade dos seus melhores temas. Sente-se, especialmente nos seus hinos mais consensuais, que a banda está mais do que preparada para palcos e cenários desta grandiosidade. Foi praticamente impossível não ficar rendido às descargas libertadoras que acompanharam The System Only Dreams in Total Darkness ou Fake Empire – o mesmo se pode aplicar à emoção que se propagou pela sala ao ouvir Light Years ou Runaway.

Fotografias da Autoria de Bruno Ferreira @ DIREITOS RESERVADOS

A maior surpresa da noite, a par da ausência da incontornável I Need My Girl, surgiu na inesperada repescagem de Karen, uma das várias faixas destacáveis de Alligator, e mais uma amostra do quão vasto e consistente tem sido o percurso artístico dos norte-americanos, desde a sua génese. Berninger, até então mais contido nas imediações do palco, acaba por guardar para o encore um contacto direto com as filas da frente, fazendo de Mr. November ou Terrible Love o mote ideal para se envolver na onda eletrizante que tão bem soube alastrar. Num desfecho absolutamente comovente, a banda dá um passo em frente, Berninger vira o microfone para a plateia e conduz Vanderlyle Crybaby Geeks na posição de maestro (e com um soberbo coro de vozes a mostrarem-se como um substituto à altura). É um daqueles momentos que ganha contornos quase religiosos e, para muitos dos presentes, uma empreitada musical dos The National chega mesmo a ser o mais próximo de alcançar a transcendência. Nesta clara sinergia entre ambas as partes, os The National não só provam estar em casa como bem vivos, com a sua arte a envelhecer com uma elegância invejável, sem qualquer data de validade à vista. De pouco importa ser mais ou menos devoto, o remédio recomenda-se efetivamente a todos.

Após o concerto esgotado dos The National no Super Bock Arena, a banda norte-americana retoma a sua presente digressão europeia, destacando-se as duas atuações no Campo Pequeno nos dias 6 e 7 de outubro, com Bartees Strange a assumir novamente o papel de convidado especial, em mais dois espetáculos com o selo da promotora Everything is New.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *