Stereolab no Hard Club: vida longa ao icónico “groop”
Três anos após a sua passagem pelo NOS Primavera Sound, Lætitia Sadier, Tim Gane e companhia voltaram ao Porto para cobrir mais de três décadas de carreira numa sala 2 do Hard Club dominada pelo entusiasmo. O segundo e último de dois concertos em território nacional serviu para revisitar tanto os clássicos da banda como algumas raridades, tendo a primeira parte do concerto ficado a cargo do espanhol Alberto Montero.
Passavam poucos minutos das 23 horas quando surge a francesa Lætitia Sadier, acompanhada do teclista Joseph Watson, para um último ajuste dos equipamentos antes de dar voz à música. O guitarrista Tim Gane, por outro lado, debate-se repetidamente com a aparente escolha da setlist para esta promissora noite de sexta-feira, olhando com intriga para uma robusta mica repleta de folhas soltas. Aquilo que é um dilema absolutamente inconsequente também serve, em parte, como um reflexo da herança de uma banda tão revolucionária e influente como os Stereolab.
Originários de Londres, o groop (como são tratados pelos fãs) construiu, a partir da década de 90, um legado ímpar, germinando um culto de admiradores e discípulos que carregou, desde então, a sua virtuosidade até ao presente. A lista de influências da banda formada por Gane e Sadier é quase tão vasta como a que deixaram. Ao longo de uma dezena de álbuns (e de mais uns quantos EP’s e compilações igualmente aclamadas), abraçaram o krautrock, exploraram a eletrónica e o lounge, trouxeram-nos a sua versão futurista da música pop com um toque subtil de teoria marxista. Desvendar os múltiplos tesouros da sua discografia é como abrir uma caixa de bombons e tentar digerir todos os sabores lá contidos com o recurso à sinestesia: difícil de verbalizar, mas uma delícia de consumir.
E foram muitos os que se quiseram deliciar com o regresso dos Stereolab ao Porto, depois de um concerto esgotado no dia anterior no Lux, em Lisboa. A última vez que se cruzaram com a cidade invicta foi quando integraram o cartaz da edição de 2019 do NOS Primavera Sound, naquela que foi uma das primeiras atuações da banda após um hiato de uma década. Em 2022, e com o ritmo novamente retomado, a antecipação mantém-se. Numa sala 2 do Hard Club completamente cheia, encontrou-se um misto de gerações e uma paixão comum. Entre os fãs mais velhos que envergavam t-shirts alusivas ao primeiro EP do grupo, Super 45, e os mais jovens, que podem ter tido nos rasgados elogios de Tyler, The Creator ou Pharrell uma abertura a este mundo tão estilisticamente heterogéneo, preparava-se uma noite de celebrações e euforias.
Sem mais nem menos, o público foi engolido pela máquina do tempo dos Stereolab em busca dos seus crowd pleasers e dos deep cuts. Nem uns problemas de comunicação com a “nave espacial” de Tim Gane ou alguma dificuldade inicial no português de Lætitia Sadier colocaram obstáculos nesta viagem, que também contou com a presença do baterista Andy Ramsay e do baixista Xavier Muñoz Guimera. A primeira paragem foi Supah Jaianto, do último disco da banda, Not Music (2010), seguida de Laissez-Faire, que, em contrapartida, remonta para as origens do grupo. Daí em diante, continuamos a rumar em direção ao passado com Eye of the Volcano e, quando Sadier se preparava para anunciar a chegada de Refractions in the Plastic Pulse, já ecoavam festejos mais do que justificados. É uma faixa de dimensões epopeicas, com quase 18 minutos de duração, e nenhuma das suas quatro distintas secções foi poupada ao vivo. Não foi a última vez que se enalteceu a mestria de Dots and Loops, talvez o álbum mais brilhante num portfólio repleto de pontos altos – e que comemorou, no passado dia 23 de setembro, o seu 25º aniversário.
Mais tarde, os tons floridos de Miss Modular – sempre com a voz suave de Sadier a acompanhar – tiveram uma receção igualmente calorosa, antes de partirem para o krautrock completamente contagiante de Mountain e Harmonium, ambos saídos de Refried Ectoplasm, o segundo volume da série de compilações do groop, Switched On. Pelo meio, recuperou-se Delugeoisie, novamente de Not Music, uma canção que, para além de explorar os prazeres duvidosos do materialismo, Sadier não considera ser exatamente um hit. Pack Yr Romantic Mind desempenha melhor esse papel, tendo sido mais um sucesso visível com a plateia e uma lembrança que até mesmo num dos seus primeiros trabalhos de longa-duração – Transient Random-Noise Bursts With Announcements – já nos conseguiam absorver facilmente com os seus grooves irresistíveis e a sua palete colorida de sons.
Percorrer um catálogo tão vasto e disperso sem cair na tentação de ingressar numa autêntica maratona é uma tarefa quase impossível, o quinteto sabe disso. Até existe um certo divertimento por parte de Sadier ao ouvir as súplicas do peditório. Alguns gritam por Percolator e The Free Design, enquanto os que acertaram na aposta de Harmonium agora imploram por John Cage Bubblegum. O tiro certeiro – Super-Electric – chega, desta vez, da primeira fila. “You are correct! You probably saw it on Facebook.”, respondeu a vocalista, para depois se envolver numa onda crescente de ruído.
De volta ao palco para o inevitável encore, os Stereolab presentearam-nos, sem grandes demoras, com o seu French Disko. É um dos temas incontornáveis da banda e, ao som dos refrões de la résistance, vimo-nos sem escolha senão dançar efusivamente sob o seu comando. Por último, recuperaram Simple Headphone Mind do seu imenso baú de originais, tema este que foi recentemente reeditado através do quinto volume da já referida série de compilações Switched On, Pulse Of The Early Brain – lançado em setembro deste ano.
Tal como o próprio percurso do grupo, o regresso dos Stereolab ao Porto foi pintado de várias cores. Com um alinhamento claramente mais direcionado para os fãs mais ávidos, foram as raridades que ganharam um merecido lugar de destaque, num concerto que, ainda assim, não deixou os êxitos de fora. Para os que navegaram, durante uma hora e meia, por mares desconhecidos, a curiosidade ficou certamente saciada. Para os aficionados, foi o melhor dos dois mundos, mesmo que o desejo de ouvir mais esteja sempre intrínseco. Afinal, quem não anseia em vibrar ao som de vários temas de Emperor Tomato Ketchup ou de Cobra and Phases Group Play Voltage in the Milky Night? O que se deve retirar, porventura, desta noite inesquecível é que, em estúdio e ao vivo, os Stereolab são o que sempre prometeram ser: um autêntico class act com uma excelente discografia para o comprovar.
Após esta passagem por Portugal, os Stereolab continuarão com a sua atual digressão europeia, que decorre até ao início de dezembro e que contará ainda com atuações em Espanha, em Itália, na Alemanha ou no Reino Unido.