O segundo dia do NOS Primavera Sound 2022: a música do passado, presente e futuro

Após a enchente do dia de ontem, o Parque da Cidade do Porto rendeu-se tanto à nova como à velha guarda. Destacamos nomes como Rina Sawayama, King Krule, 100 gecs e Pavement neste segundo dia, em que mal se notou não ter lotação esgotada.

Ainda só tinham passado pouco mais de 12 horas depois de Kevin Parker ter alucinado um recinto “à pinha“, com a sua estética psicadélica, e já muitos retornavam para mais um dia de NOS Primavera Sound. Desta vez, escolhemos arrancar os motores com o indie pop puramente divertido dos Beach Bunny, a dar começo à programação do palco principal, às 18h00. Liderados por Lili Trifilio, o quarteto norte-americano oscilou entre o material do seu disco de estreia, Honeymoon, e canções da sua ampla lista de EP’s, entre eles Blame Game, lançado no ano passado. Oxygen, o single de apresentação do futuro segundo álbum do grupo, Emotional Creature, também não foi esquecido. Notou-se que Lili e companhia tentaram animar um pouco mais quem assistia ao concerto no palco NOS com Cloud 9, Prom Queen ou Sports. Contudo, a sonoridade da banda casa melhor com repousos do que com efusões. E, nesse sentido, foram um adequado e agradável primeiro ato.

A Dinastia de Rina Sawayama

NOS PRIMAVERA SOUND 2022 _ © Hugo Lima | hugolima.com | www.fb.me/hugolimaphotography | instagram.com/hugolimaphoto

De um espetáculo mais sedativo, passamos para um dos mais eletrizantes desta edição do festival. Às 19h00 no Palco Cupra, a nipo-britânica Rina Sawayama começou desde bem cedo a estabelecer uma ligação com o público. “Are you ready to dance? Are you ready to slay? Are you ready to scream?”, perguntou. A resposta não podia ter sido mais eufórica. Muito se dançou e gritou ao som de STFU!, Comme des garçons (Like the Boys) ou XS, todos temas do fascinante SAWAYAMA, um primeiro álbum rico em dinamismo, execuções arrojadas, com um pop absolutamente triunfante e alusivo a vários ídolos das décadas de 1990 e 2000. Acompanhada em palco por um par de dançarinas, uma guitarrista e uma baterista, Rina controlou e leu a plateia com uma confiança assinalável. Fez-nos quase sentar no chão e pular, amar o mais próximo e a nós mesmos tal como somos, bem como abanar um chicote imaginário ao som de This Hell, o novo hino do seu segundo álbum, Hold The Girl a sair em setembro. Falou do Orgulho LGBT (e de como a sua celebração não deve estar limitada a um mês) antes de Cherry, implementou o genérico da premiada série da HBO, Succession, entre Akasaka Sad e Snakeskin, e fechou com uma combinação de Lucid e o seu remix de Free Woman de Lady Gaga. Rina Sawayama está, claramente, a construir a sua própria dinastia e, no Porto, confirmou que já não é a superestrela da música pop do futuro, mas sim um ícone jubilante do presente.

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De volta ao Palco NOS, assistimos aos ingleses Slowdive a retornarem ao Parque da Cidade, depois de terem passado pelo festival em 2014 na sua reunion tour. Com as vozes de Rachel Goswell e Neil Halstead na linha da frente, as sonoridades de dream pop e shoegaze, que os eternizaram há quase três décadas com Souvlaki, contrastaram na perfeição com o cair da noite, mas a sua estética quase etérea não prendeu tanto como se esperava. Para além de temas que definiram o catálogo da banda nos anos 90 (como Alison, When the Sun Hits ou Catch the Breeze), o self-titled de 2017 teve igualmente o seu espaço para brilhar, com Star Roving e Sugar for the Pill a apaziguar um público algo desligado.

A melancolia de King Krule e a adrenalina de 100 gecs

Depois de uma visita de surpresa ao Ferro Bar no dia anterior, o britânico Archy Marshall, mais conhecido por King Krule, trouxe ao palco Cupra a aspereza da sua voz e a crueza do seu art rock com toques de jazz, num estilo distinto daquele que costuma apresentar nos seus trabalhos de estúdio. A atmosfera nebulosa e suave do enigmático The OOZ ou de uma porção considerável de Man Alive!, editado em 2020, não se escondem por completo, mas este seu registo ao vivo é orgulhosamente mais punk. You Heat Ме Up, You Cool Me Down, o seu live album lançado no ano passado, já tinha mostrado esta capacidade singular de reinventar certas faixas do seu portfólio musical e dar-lhes uma nova vida. Perfecto Miserable, que abriu o concerto, ou Underclass agora contam com ritmos de bateria explosivos, enquanto Stoned Again, Dum Surfer ou Half Man Half Shark, que já se apontavam para esta outra faceta de King Krule, são ainda mais impactantes ao vivo. A banda que o acompanha merece, de igual forma, um realce. O saxofonista Ignacio Salvadores, uma peça essencial da palete sónica de King Krule, foi o mais extravagante deles todos, rodopiando e incentivando os restantes membros em palco a subirem o nível de adrenalina. Para lá da música, o público rendeu-se ao slideshow de fotos de Patch, o cão de Archy Marshall, e ainda enviou um “olá” caloroso à sua filha Marina. Revisitou-se ainda as ilustres Baby Blue e Easy Easy, vinda de 6 Feet Beneath the Moon, num concerto que tem tudo para perdurar na memória.

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Enquanto o multidimensional Beck tentava conquistar os milhares de pessoas que se encontravam no Palco NOS, a curiosidade levou a melhor para muitos festivaleiros que optaram por um concerto no palco Super Bock que tinha tudo para ser polarizador. No espaço de três anos, os 100 gecs de Dylan Brady e Laura Les ascenderam ao estrelato digital e até a um certo meme status que gera simultaneamente ondas de amor e ódio. Todavia, a receção que tiveram no NOS Primavera Sound não podia ter sido mais histriónica. Durante pouco menos de uma hora, violentaram com agrado os tímpanos de quem por lá passava. Livraram-se de backstories desnecessárias, entraram em palco com os seus outfits de feiticeiro, projetaram vídeos dignos dos recantos mais obscuros e edgy da Internet e impuseram as tonalidades abrasivas do seu hyperpop e bubblegum bass numa plateia que não se cansou de os acompanhar na euforia que propunham. O ska de stupid horse e o pop punk de mememe misturou-se com ringtone ou a célebre money machine, numa setlist que contou com muitos temas de 10000 gecs, o sucessor de 1000 gecs que deverá ser lançado ainda este ano. A melhor forma para resumir este concerto de 100 gecs para quem não o presenciou é através de duas simples palavras: pura diversão!

A máquina do tempo dos Pavement

Para encerrar as hostes do Palco NOS, os californianos Pavement, banda de culto do indie rock dos anos 90, reuniram-se para um raro concerto que celebrou da melhor maneira o legado criado ao longo dos seus cinco discos e o porquê da sua influência ainda ser tão palpável hoje em dia. Aliás, este espírito de reencontro não se estendeu só à banda em si. Bastava olhar à volta para reparar que, provavelmente, muitos dos que vibravam ao som de Stereo ou Cut Your Hair já eram fãs dedicados na altura em que os Pavement estavam no ativo. Foram dez os anos passados entre a última tour e esta nova chama da banda fundada por Stephen Malkmus e Scott Kannberg, mas a sua energia em palco parece permanecer. Com uma setlist que mais se assemelhou a uma coleção de greatest hits, ouviram-se várias faixas de Brighten the Corners, Slanted and Enchanted e Crooked Rain, Crooked Rain. Range Life ou Gold Soundz, por exemplo, foram entusiasticamente recebidas. Não se saberá se os Pavement alguma vez voltarão a atuar na cidade portuense, mas, pelo menos, Malkmus parece ter gostado do ambiente: “This town fucking rips!”. Um concerto conduzido com mestria, que nos levou a glórias artísticas de outras épocas.

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No terceiro e último dia do festival portuense (11 de junho), atuam os cabeças-de-cartaz Gorillaz e Interpol, ao lado de artistas como Earl Sweatshirt, Helado Negro, Little Simz, Squid ou Grimes (DJ Set). Fiquem atentos às nossas redes sociais e às próximas reviews!

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