Nick Cave & the Bad Seeds no MEO Arena: um ritual de entrega e emoção
No passado dia 27 de outubro, o MEO Arena recebeu de volta Nick Cave and The Bad Seeds em solo nacional, desta vez para apresentar Wild God, o seu mais recente disco. Integrado na The Wild God Tour, o concerto ofereceu uma mistura de novas músicas e clássicos intemporais, abrangendo cada uma das 5 décadas de carreira da banda.
Antes dos cabeças de cartaz subirem a palco, a primeira parte ficou entregue aos The Murder Capital, grupo irlandês de post-punk e garage rock revival. Os oriundos de Dublin têm uma sonoridade catártica e contemplativa, deambulando liricamente por temáticas como a indulgência, a fatalidade e o sentido de identidade. Gostei da jovialidade com que atuaram e de músicas como Slowdance I, Can’t Pretend to Know e Don’t Cling to Life. Posso garantir que, se apreciarem os estilos previamente mencionados, não vão ficar desapontados!
15 minutos depois do primeiro set, as 20h30 marcaram o início de uma odisseia de 22 canções, 2 horas e 40 minutos, de rock alternativo, post-punk, blues e gospel, à boleia da 19ª performance de Cave e dos seus Bad Seeds em Portugal. Os pioneiros da música alternativa são responsáveis por inúmeros projetos emblemáticos do género, como Let Love In (1994), Murder Ballads (1996), The Boatman’s Call (1997), Ghosteen (2019), entre muitos outros. Com o multi-instrumentista Warren Ellis como colaborador-chave, mantiveram-se atuais pela audácia na experimentação de diferentes estilos e continuam a atrair diversas gerações de fãs!
Como é habitual, a atuação foi marcada por uma intensidade constante do início ao fim. Tomaram uma abordagem mais otimista e expansiva de temáticas que, tendencialmente, Cave retrata de forma enigmática e contemplativa como: Religião (Wild God e Conversion), Solidão (Wild Rescue Attempt, acentuado por um momento vocal emotivo entre o artista e as coristas) e Catarse (Bright Horses, faixa que reflete o consolo procurado perante a perda de Arthur, o seu filho adolescente); Amor (Cinnamon Horses, trauteando graciosamente trechos da letra como “‘Cause love asks for nothing/But love costs everything”) e Saudade [O Wow O Wow (How Wonderful She Is), canção de homenagem à artista recém-falecida Anita Lane, ex-companheira e membro dos Bad Seeds].
Os momentos altos da noite foram relevados por várias ovações de pé, durante clássicos como Jubilee Street, Red Right Hand (não tem problema se a conhecerem pelo Peaky Blinders, grande série), The Mercy Seat e The Weeping Song, culminando em diálogos instrumentais épicos entre o coro e os Bad Seeds. A mais emocionante foi Into My Arms, a sua balada mais conhecida, levando a plateia a cantar em uníssono com Cave ao piano – simplesmente lindo!
Mesmo assim, o que mais me cativou foi a entrega extraordinária de Cave e da banda! Até o seu humor e inocência a tentar falar português! Fez tantas tentativas que perdi a conta, desde “obrigado” e “você é bonita” até perguntar como se dizia “sapo”. Não apenas pela comoção como nos envolve com a sua poesia e interpretação como frontman (em From Her to Eternity, sussurando delicadas frases como “all night long” e “watch them crying”), o sentido de companheirismo para com os seus amigos de profissão (Cave sobre Warren Ellis: “what a beautiful specimen of a human being”), mas também pela interação inspiradora e a conexão genuína com os seus fãs, retribuída com carícias e elogios sinceros de ambas as partes, em Tupelo e Papa Won’t Leave You, Henry.
Assistir a Nick Cave ao vivo ultrapassa o conceito de um simples espetáculo: é um acontecimento imersivo, espiritual e emotivo! É um ambiente acolhedor, onde todos são bem-vindos, independentemente dos seus ideais ou preferências pessoais. Tenho de admitir que foi dos melhores concertos que já vi! Não esperava que ainda tivesse tanta energia, e superou as minhas expectativas em todos os aspetos.