Just Mustard no M.Ou.Co: o shoegaze brutal e hipnótico que assombrou o Porto por uma noite
Os irlandeses Just Mustard celebraram a sua primeira passagem por Portugal com casa cheia. No Porto, encerraram a digressão europeia de apresentação de Heart Under, o segundo álbum da banda que os cimentou como uma das mais recentes promessas internacionais do shoegaze. A primeira parte ficou a cargo dos Marquise, num concerto com o selo da Mr. November (Os Suspeitos).
De Dundalk para o mundo, a banda irlandesa Just Mustard tem tido um ano de 2022 repleto de motivos para festejar. Atravessaram a América do Norte e a Europa ao lado dos compatriotas Fontaines DC entre janeiro e maio, voltaram à estrada com os Wolf Alice para três concertos no seu país natal e, pelo meio, lançaram o seu aclamado segundo disco, Heart Under. Em contraponto com Wednesday, Heart Under vai em busca do atmosférico, equilibrando a rispidez do antecessor com os tons sinistramente elegantes desta nova fase do grupo. E numa era em que o shoegaze parece estar novamente a ganhar asas e onde os Just Mustard ocupam um espaço cada vez mais proeminente, não admira, de todo, que a estreia absoluta dos irlandeses no nosso país tenha esgotado.
Ainda antes do seu espetáculo, os portuenses Marquise foram aquecendo os ânimos. Subir ao palco perante uma Sala M.Ou.Co. que tanto ansiava pela atração principal não foi uma tarefa simples. Apesar do nervosismo, o quarteto aproveitou o fator-casa a seu favor para trazer ao público um set curto (que incluiu a demo de Boneco, editada no início deste mês), mas agradavelmente energético, que, em grande parte, montou o ambiente para o resto da noite.
Pouco depois das 21h45, fez-se ouvir Angelo Badalamenti e a sua banda sonora de Twin Peaks, a Sala M.Ou.Co transformou-se, durante pouco mais de uma hora, no Roadhouse (o bar da icónica série de televisão) e, a pouco e pouco, a antecipação ia ganhando uma nova forma. Todos os membros dos Marquise vestiam agora o papel de fãs, enquanto algumas pessoas analisavam entusiasticamente a panóplia de instrumentos e pedais que iam sendo meticulosamente colocados em palco. O mais certo era que o ambiente perfeito para esta estreia dos Just Mustard em Portugal estava finalmente instalado. Escondidos pelos entremeios da iluminação, Katie Ball e companhia envolveram a sala numa maré de som sombria e ocasionalmente áspera. 23 foi um início feito intencionalmente em lume brando – onde se pode ver, curiosamente, um dos dois guitarristas da banda a utilizar um arco em vez das habituais palhetas. Seguiu-se I Am You, um dos singles da apresentação de Heart Under, que foi o principal foco das atenções nesta sexta-feira à noite chuvosa.
Um dos pontos fortes do álbum é certamente a sua produção, tendo ficado a cargo do próprio grupo. Ao vivo, mantêm o mesmo dinamismo e até reforçam o seu ímpeto nos momentos de maior intensidade, com ainda mais reverb, distorção e explosividade. A brutalidade das guitarras, por exemplo, tanto levou muitos a efusões emotivas como apanhou outros tantos de surpresa com a sua brutalidade. Ainda assim, esta mistura entre as guitarras, o poderio conjunto do baixo e da bateria ganha ainda mais potência neste cenário. Contudo, a voz pura de Katie Ball não fica de todo esmagada por esta tempestade sónica, apesar da sua visível timidez em palco criar um contraste interessante com o ruído dos restantes instrumentos. Aliás, até a consegue rivalizar, como acontece no refrão de Early. O guitarrista David Noonan, por outro lado, também teve a sua oportunidade para brilhar, mais especificamente em Deaf, um dos grandes destaques do primeiro longa-duração do quinteto e que levou muitos fãs ao rubro. Já em tom de despedida, causaram uma derradeira explosão com Seed, antes de saírem lentamente perante uma notável euforia vinda das filas da frente.
Naquele que foi o último concerto da fase europeia da atual digressão da banda, os Just Mustard puxaram a sua sonoridade ao extremo. Não muda a opinião dos mais céticos, nem revoluciona por completo as bases de shoegaze e de noise rock que lhes dão forma. No entanto, para quem já se deixou levar pelos elevados decibéis e por este equilíbrio entre o encanto e a escuridão, o melhor é mesmo não perder de vista esta inegável evolução dos irlandeses.
Após este concerto de Just Mustard no M.Ou.Co, a banda irlandesa rumará aos Estados Unidos, já no próximo dia 4 de novembro, para iniciar a digressão norte-americana de apresentação de Heart Under.