Courting no Hard Club: música de guitarras com um toque de humor
A duas semanas de lançarem o seu primeiro álbum de estúdio, o quarteto britânico veio a Portugal para realizar uma série de concertos promovidos pelo serviço de subscrição Gig Club. Depois de marcarem presença no Musicbox em Lisboa na noite anterior, vieram conquistar a sala 2 do Hard Club com o seu post-punk aventuroso e repleto de personalidade.
O revivalismo do post-punk no Reino Unido está mais forte do que nunca. Este tipo de frases tem sido repetida quase até à exaustão, mas os fortes argumentos por detrás da afirmação são mais do que suficientes para a suportar. A verdade é que muitas das bandas deste estilo que hoje apelidamos de promissoras têm o selo britânico bem enraizado no seu ADN. E se Brighton deu voz aos Squid e Londres foi o berço dos shame, então Liverpool deve-se orgulhar do seu novo prodígio. Sean Murphy-O’Neill, Sean Thomas, Michael Downes e Sam Brennan formam os Courting, um quarteto que não precisou de muito material de estúdio para começar a dar que falar. Após um trio respeitável de singles em 2019 e 2020, editaram o seu primeiro EP, Grand National, em abril do ano passado. Serviu, em grande parte, para a banda ganhar o impulso e confiança necessários para voos mais ambiciosos. Isto não significa que as bases dos Courting não tenham ficado já bem assentes nesta primeira coleção de faixas, quer se fale do humor satírico das letras, das performances ocasionalmente excêntricas do frontman Murphy-O’Neill ou da produção rítmica e áspera. Contudo, com o tempo vem o virar de uma página e o começo de uma nova era. Quando só faltam duas semanas para o lançamento do álbum de estreia dos Courting, denominado Guitar Music, o quarteto atravessou as fronteiras para realizar um trio de espetáculos em Portugal, mais concretamente em Lisboa, no Porto e em Coimbra.


O segundo destes três marcou mesmo a primeira passagem da banda pela cidade invicta, como o próprio vocalista fez questão de mencionar. Logo a abrir, usaram a dupla de Tennis e Football para formar uma sequência que tanto teve de ininterrupta como de explosiva. Já se podia observar, nesta altura, Sean Murphy-O’Neill a usar entusiasticamente o cowbell que trouxe consigo para o palco. E mesmo com os problemas técnicos que entretanto surgiram na bateria de Sean Thomas, os restantes membros da banda fizeram de tudo para manter o ânimo da plateia em alta. Sam Brennan reproduzia a famosa linha de baixo de Another One Bites the Dust dos Queen (não foi a primeira “homenagem” à rainha Isabel II neste dia do seu falecimento), Murphy-O’Neill conduzia cânticos com os presentes, tentava engatar uma piada ou outra e pedia para nos chegarmos mais junto ao palco. O recinto poderia não estar tão cheio quanto se esperaria, mas os que escolheram passar a noite ao lado dos britânicos, abraçaram a sua boa-disposição por inteiro.
Esta festa dos Courting atingiu um novo pico quando, a meio de Crass, Murphy-O’Neill fez uso do seu fiel pedal de autotune para interpolar I Love It de Icona Pop e Charli XCX, naquele que foi um dos pontos altos do concerto. Não foi, sem dúvida, a última vez que usou este efeito durante o set, e o mesmo se aplica às alusões a uma das grandes artistas do meio pop atual. Jumper, o mais recente single de Guitar Music, começa logo com a letra: “And I love her like Charli loves cars”. Porém, foi Slow Burner que provocou a interação mais ativa do vocalista dos Courting com o público. Desceu do palco, em direção às filas da frente, e deu a cada um dos que ali estavam a possibilidade de se tornarem, por uns instantes, no quinto membro dos Courting. Foi com mais ou menos ritmo, mas sempre com o mesmo entusiasmo, que cada pessoa se aventurou com o já mencionado cowbell, tentando acompanhar os restantes instrumentos e as palmas descontraídas de Murphy-O’Neill.

Já na reta final, o inesperado aconteceu. Naquela que foi uma verdadeira sessão de karaoke, parte da responsabilidade foi passada para a audiência. Coube-nos decidir o que os Courting iriam tocar a seguir. Pediu-se God Save the Queen e o vocalista comicamente rejeitou, experimentaram uma cover de Fuck You de CeeLo Green e outra de Sk8er Boi de Avril Lavigne, e alguns dos membros não tiveram outra opção senão alinhar na espontaneidade – mesmo não sabendo os acordes ou as letras de cor. No entanto, foi Say It Ain’t So dos Weezer que produziu o melhor efeito desta parte da atuação, com a banda e o público em perfeita sintonia. É nestes momentos onde sobressai uma das principais inspirações do primeiro longa-duração da banda: a música e a cultura pop. Faz-se notar nos três temas já lançados, tal como em Famous (fizeram questão de estrear a música na noite anterior em Lisboa, e voltaram a testá-la em frente ao público portuense), que os Courting procuram libertar-se de algumas barreiras estilísticas da música rock e oferecer algo arrojado em troca. Daí o título Guitar Music ter um certo toque de ironia.
A passagem dos Courting pelo Hard Club foi a oportunidade adequada para testemunhar uma banda que, para além de estar numa rota de ascensão, procura exaustivamente um balanço entre diversas dimensões. Não abdicam das bases tradicionais de post-punk, mas processam-nas sob um filtro e uma estética assumidamente pop. Valorizam a componente humorística das suas composições, sem perder pelo caminho a autenticidade das mesmas. Em palco, personificam todas estas dualidades e, se há algo a retirar desta noite, é que os britânicos prometem continuar a fazê-lo.

Após este concerto dos Courting no Hard Club, a banda britânica terminará esta passagem por Portugal no Salão Brazil em Coimbra, no dia 9 de setembro (sexta-feira). De seguida, voltará ao Reino Unido, onde irá prosseguir a digressão de apresentação do seu álbum de estreia, Guitar Music.